Uma espécie de criativa
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De que se há-de falar num tempo destes, com um tempo assim, quando só há ouvidos para a crise?
Podemos falar dos joanetes da dona que quer ser dona, ou do preço das couves que vem da horta de Sandomil, ou do reumatismo que assolou o Tio Xico da Rosa, mas não de crise nem de coisa parecida.
Podemos falar dos joanetes da dona que quer ser dona, ou do preço das couves que vem da horta de Sandomil, ou do reumatismo que assolou o Tio Xico da Rosa, mas não de crise nem de coisa parecida.
Se o tempo não está para grandes assuntos, instituímos então “conversas de treta” para nos entretermos uns aos outros, como gostamos de entreter, para termos alguma distracção, e evitarmos,... sarcasmos e amargos de boca.
Porque teremos de falar de crise ou simplesmente de politica ou politicas, se há pequenas grandes coisas mais interessantes intuídas no nosso contentamento descontraído?
Falemos de outras importâncias, ou mais-valias, como costuma dizer a Alzira, mulher do cantoneiro da Estrada da Beira, que de tanto ouvir falar do termo o gastou. Mais-valias!
Falemos por exemplo do putativo regresso da maioria do povo à agricultura, quando se sabe que isto está tão mal, que não tarda nada, estamos todos a voltar à terra. À criação de animais, às sementeiras da terra, com milhos, batatais e afins.
Discutamos então se vamos ou não voltar à agricultura. E se vale a pena. Se dá para a bucha! Os campos estão ao abandono, as fábricas a fechar, o subsídio de desemprego a acabar e quem sabe se não teremos de voltar à enxada na mão. O Zé da Céu, que ainda se regula pelas luas e quartos minguantes, profetiza um retorno às origens: “Ainda voltamos ao antigo, batatas, coelhos, galinhas,…”
O Zé, que não é do Céu mas marido da Maria do Céu e tem os pés bem assentes na terra e não tem grandes saídas, não fala de política nem de mercados financeiros, nem está preocupado com os movimentos bolsistas. Está mais centrado em saber se a sua cabra amarela sobrevive à queda de ontem no lameiro da Relva, ou se a artrose da companheira a impede de lhe continuar a levar o farnel todos os dias ao prado, ou tentar perceber quem é esse filho da mãe de um tal Magalhães que vai passar a ser companhia da filha nas lides ditas informáticas da escola.
Sempre é mais saudável falar da vida do Zé, desse admirável homem do campo, do que passar o tempo a cortar na casaca dos que nos rodeiam e só falam de politica, de crise e de mercados de trapalhada e dos bandidos dos bancos.
Falemos por isso das coisas banais da vida - de músicas, virtudes e poesias, que são delas o reino das alegrias saudáveis!
Que mal tem falar da senhora dona Elsinha, que veio da Beira Baixa há uns anos atrás e se impõe na praça como dona do mercado das couves, se afinal não tem malícia, não concorre a nenhuma Junta e nem sequer é mulher de intrigas?
Como se vê, é melhor a gente falar do povo do que o povo falar de nós. Ou falar de política. No campo, não há critérios editoriais para temas de conversa. Fala-se de tudo. Se o jardim não cresce, fala-se de adubos e pesticidas, marcas, preços e afins insólitos se for preciso. Se chove, pode dizer-se que a culpa é do tempo e o tema está lançado para as primeiras páginas da jornada. Se um vizinho vai à bruxa, toda a gente pode saber, embora ninguém tenha nada a ver com o assunto. Mas se o assunto fosse de política, já cairia o “Carmo e a Trindade”, porque “isso é perigoso”. É tudo uma máfia, e andam todos ao mesmo. Ninguém tem respeito. Ao menos no campo, a olhar as searas de outrora, que agora já não alouram, fala-se de saudade e da ingenuidade dos dias, nos tempos que correm, sem grandes perspectivas mas com ânsias de melhorias.
Falemos de tudo que não seja sério demais.
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