sábado, 12 de dezembro de 2015

Dá que pensar



Dá que pensar não pensar muito, assim como soa estranho, passarem os anos, quase meio século e nós redobrados nas nossas interrogações e incertezas do caminho. Do percurso que fazemos, das histórias de vida concebidas, dos sonhos e realidades conseguidas, assim como de tudo o que fomos capazes de enfrentar, nas alegrias e nas tristezas, no bom e no mau que decifrámos. Um caminho alucinado de esperanças e iluminado de crenças, umas vezes bem-sucedidos, outras frustrados, mas quase sempre assentes na banalidade efémera das causas, por não durarem como queríamos.

Dá que pensar, lembrando quando fomos crianças e sonhámos em ser crescidos e pelo meio do caminho recebermos doces e rebuçados, jogos, prendas e enamoramentos e muitos divertimentos. Podemos incluir memórias de tempos e momentos de parcos recursos e aqui e ali dalguma dor, por ser normal, mas sempre felizes, com quase nada.

Dá que pensar lembrar como fomos crescendo, sonhando pela normalidade de quem quer emprego e posses e família e filhos e carro e casa e mesa e roupa lavada e tudo o mais que leve a um padrão de conforto, além do que pudesse vir por direito próprio. Como também a lembrança da caminhada que foi prosseguindo, nem sempre a melhor, por tantas vezes optarmos por males menores em nome de estabilidade, em nome de princípios e regras e normas, com amor, com dedicação e sempre, mas sempre com denodada entrega ao trabalho, malfadada sina de quem não sabe fazer mais nada.

Dá que pensar não poder fazer a caminhada contrária, da cova às entranhas, como no estranho caso de Benjamin Button. Uma interrogação de quem chega a um provável meio caminho e se desdobra nas encruzilhadas, entre impulsos e recalcamentos, vontades contidas e desejos incontinentes e amiúde inconsistentes.

Dá sempre que pensar, mas chegados á ponta de onde se começa a ver vários fins de ciclo, de amigos que partiram e tempos que não voltam, quase explodimos. Quase saímos da repetição dos dias e das horas, das rotinas que acenam tontas e quase diluímos preconceitos de quem não está para mais nada senão para ver e sentir. De quem já ouviu de tudo e não quer saber de mais nada, de quem já perdeu e já ganhou, de quem já foi avisado e de quem mais ninguém se lembra se não for notado.

Pode parecer estranho desfiar assim um rosário de contas deitadas à vida, desta forma redonda, mas pode impor-se assim, sem mais.

Pode parecer estranho, mas só resvalando nalgumas inquietações, numa dose moderada de interrogações, escutando imprudentes silêncios, se pode augurar o sabor dos efeitos colaterais de um atrevimento de sentido contrário à norma.



MJB, 10 de Dezembro de 2015

quarta-feira, 3 de junho de 2015

O valor da marca Seia coloca-nos em 79º lugar no ranking das melhores cidades para viver



No universo de 308 municípios portugueses, Seia encontra-se entre as melhores 79 cidades para viver, segundo um estudo da consultora Bloom Consulting, revelado pelo Jornal de Negócios. Lisboa continua a ser a melhor cidade para viver, seguindo-se Porto e Braga.

A lista compara diversos indicadores de natureza económica com um conjunto de 26 perguntas-chave, que agrega o que as pessoas procuram num município a nível mundial.

O ranking foi elaborado através do cruzamento de diversos dados estatísticos, como desemprego, número de hospitais, salário médio, taxa de criminalidade ou dormidas turísticas por município.

 As três categorias em análise são Negócios (Investimento), Visitar (Turismo) e Viver (Talento), ou seja, qualidade de vida, turismo e ambiente. No ano passado Seia encontrava-se em 76º, o que significa que este fenómeno pode ser usado em benefício do desenvolvimento local.


Vale o que vale, mas quando às vezes se referem exemplos de concelhos vizinhos, seria bom verificar a localização de algumas dessas cidades: Oliveira do Hospital - 150º; Gouveia – 140º; Nelas – 136º; Mangualde – 97º e Fundão – 94º.

Apesar de ser um município do Interior do país, e de enfrentar muitas debilidades inerentes à sua localização, a que não é alheia a própria situação financeira do município, não deixa de ser pertinente constatar-se o valor da nossa marca territorial.

É evidente que para este ranking muito terá contribuído a dinâmica empreendida, as infraestruturas construídas, assim como o património cultural e paisagístico, nesta encosta da Serra da Estrela. Não deixam de ter importância os pequenos contributos das iniciativas desenvolvidas e dos esforços empreendidos, que vai da rede de museus, ao CISE, aos eventos das aldeias de montanha, das feiras de produtos e festivais realizados, entre os quais o CineEco, que projetam uma imagem de excelência para o exterior, assim como o contributo das empresas, instituições e escolas. Estas últimas têm tido um papel preponderante, sobretudo no que se refere à excelência do ensino ministrado, começando nas Escolas Básicas, passando pela Escola Profissional, Conservatório de Música e Escola Superior de Turismo e Hotelaria.

Todavia, não pode o resultado deste estudo servir para nos encostarmos à sua sombra, mas antes para aproveitarmos o mesmo para nos servir de alavanca e estimulo para crescer. O mesmo resultado só comprova que Seia tem potencialidades, mas terão de ser ainda mais bem aproveitadas, usando-se de persistência, criatividade e inovação, no quadro do estímulo que permanentemente tem de usar-se, por todos nós.

Ou seja, comprova-se que Seia tem futuro, mas o sucesso depende de nós e o que fizermos hoje terá reflexos no imediato, para o bem ou para o mal.


MJB

quinta-feira, 14 de maio de 2015

ARTIS XIII - Festival de Artes Plásticas de Seia 2015



Arrancou no dia 2 de maio a XIII edição do ARTIS - Festival de Artes de Seia, um dos eventos de referência da programação cultural concelhia que se tem vindo a destacar pelo contínuo crescimento qualitativo, assumindo-se como um espaço privilegiado para a promoção das artes do concelho.
A inauguração contou com homenagens ao artista senense Júlio Saraiva, desenhador profissional, e Geofff Kilpatrick (a título póstumo), personalidade das belas artes e artesão, a que se seguiu um concerto com a Orquestra didática do Conservatório de Música de Seia.
António Júlio Vaz Saraiva dedicou a maior parte da sua vida ao desenho, como desenhador profissional na empresa Hidroelétrica da Serra da Estrela e como artista, representando particularidades do património histórico de Seia e do concelho, retratando figuras locais e ilustrando obras de autores senenses. Nascido em 1928, também é fotógrafo amador desde 1940 e tem participado em diversos trabalhos de valorização e promoção do património histórico local. A sua obra acompanha o desenvolvimento de Seia na segunda metade do século XX, interrogando agora, no início de um novo milénio, os caminhos senenses para o futuro. 
Até 15 de junho, muitos dos seus trabalhos podem ser vistos na galeria do Posto de Turismo de Seia.

Geoffrey Norman Kilpatrick foi um dos artistas presentes na primeira exposição de artistas senenses, em 1999, na Casa Municipal da Cultura, participação repetida em várias edições da ARTIS. Geoffrey nasceu em Inglaterra, a 16 de janeiro de 1961, onde estudou belas artes, no politécnico de Coventry, e residiu em Pinhanços – Seia até 2000. Do seu percurso de artista é de assinalar a realização de várias exposições na Inglaterra, Irlanda e Portugal, tendo igualmente se dedicado ao artesanato. As suas “casas de xisto” – miniaturas das casas tradicionais em xisto – fizeram escola na região, servindo de modelo e inspiração a outros artistas e artesãos.
Algumas das suas obras podem ser vistas nas Galerias da Casa Municipal da Cultura, durante os dois meses do Festival ARTIS.

A ARTIS é promovida pela Câmara Municipal, em parceria com a Associação de Arte e Imagem de Seia, coorganizadora do evento, e desempenha um importante papel na promoção e desenvolvimento cultural da comunidade, diversificando e qualificando a oferta cultural e artística, estimulando não só a participação das pessoas e organizações culturais, como também facilitando o acesso das populações à criação e fruição culturais.
O Festival decorre até ao dia 30 de junho na Casa Municipal da Cultura e Posto de Turismo de Seia, sendo composto por uma Mostra de Pintura, Escultura e Fotografia, integrado num programa que contemplará outras áreas artísticas.
Destaque, neste âmbito, para a instalação performativa “Experiências do Presente Peneiram o Futuro” de Ricardo Cardoso, que teve lugar junto ao Mercado Municipal de Seia, no dia 13 de maio, performances de rua pelos alunos do Agrupamento de Escolas de Seia, nos dias 20 e 27 de maio na parte da manhã e a 3ª edição da Mostra de Música Moderna de Seia (MMMS) e a 6ª edição do Festival Especial, que irão decorrer no Cineteatro da Casa da Cultura, respetivamente, nos dias 16 (21:30h) e 17 de maio (15:30h).
Nesta 13ª edição do Festival ARTIS, a expressão dramática também merece destaque, incluindo na sua programação, de 25 a 30 de maio, o VIII Motin – Mostra de Teatro Infantojuvenil, com espetáculos dos grupos de teatro das escolas do concelho, do ator António Fonseca, encerrando com espetáculo "Oxalá não demore ao céu cair para abraçar o fogo que nos consome", do Teatro da Academia de Viseu.
No âmbito do festival estão ainda programadas ações como a apresentação do exercício final do Curso de teatro, performances do Agrupamento de Escolas de Seia, sessões de filmes ligados às artes – 7ª Sena _ Núcleo Cinéfilo de Seia, atividades de rua, oficinas de pinturas, etc.

Blogue oficial do Festival de Artes e Imagem: www.artisdeseia.blogspot.pt 

domingo, 8 de março de 2015

Estranhos dias à janela, comentários ao livro



Intervenção do Presidente da Câmara de Seia
Carlos Filipe Camelo


Fui convidado para convosco partilhar a apresentação do livro “Estranhos Dias à Janela”, do Mário Jorge.

Sabia que me seria pedido para nesta noite proferir algumas palavras.

Por isso, e ao usar da palavra nesta cerimónia, posso correr o risco de, no vosso pensamento, e aprioristicamente, aqui ou ali, ser acometido de alguma tendenciosidade ou parcialidade, dada a relação de forte amizade que cultivo com o autor..

No entanto, mesmo correndo esse perigo, aceitei, como aliás o prova a minha presença aqui.
Devo-o ao respeito e consideração que tenho pelo Mario, mas também por todos aqueles que acharam por conveniente presenteá-lo com a sua presença na noite de hoje.

Como todos sabem tenho com o Mário Jorge privado de forma diária, muito de perto, há cerca de 30 anos.

Têm sido, como todos possamos estar a pensar, e como costumo afirmar, anos de complementaridades e de cumplicidades, nas muitas ações consigo partilhadas.

É sabido que a identidade de cada um de nós se  gera num recipiente onde diversos ingredientes se misturam mais ou menos harmoniosamente, independentemente da ordem em que os possamos citar: a família, a terra, os amigos, a cultura, a profissão, os valores, o respeito pelos costumes e tradições, as motivações fundamentais de uma vida, a busca da verdade sobre si próprio.

Perante nós temos uma pessoa serrana, do Sabugueiro, das Beiras e Serra da Estrela, numa terminologia muito atual, de origem familiar de cultura clássica, pessoa firme e convicta dos seus ideais, pródiga em amizades duradouras, amante da vida e do respeito pelo próximo.

São, pois, muitas as dimensões observadas que nos oferece a sua personalidade e que dá sentido à sua vida onde encontrei, em continuidade, o sorriso, a amizade, o conselho, a disponibilidade, a solidariedade, a seriedade, a camaradagem e o altruísmo.

No entanto, e para além de tudo, todos aqui na sala conhecerão, certamente, o autor, da sua relação com a escrita, na imprensa, no cinema e nas artes, na cultura, no associativismo, na política ou na economia social.

Não vou por isso prender-me em mais considerações diretas relativamente ao Mário Jorge…

Antes, e como é meu hábito e preocupação, lembrar-vos que são momentos como este, que o nosso concelho produz felizmente de forma abundante, nas mais diversas áreas, que nos inspiram a celebrar a nossa comunidade e a assinalar as suas virtuosidades.

No fundo, evidenciar aquilo que temos de genuinamente bom: a capacidade e o conhecimento das nossas gentes, das nossas pessoas. Elas são sem dúvida o nosso maior ativo, porque despertam a energia cívica e social do nosso Concelho.

E o Mário Jorge é, sem dúvida, uma dessas pessoas singulares, que contribuem, com o seu empenho, para o crescimento e afirmação da nossa terra.

O seu percurso cívico, marcado por uma cidadania ativa é, de resto, bem revelador e um exemplo que é replicado um pouco pelos diferentes setores da nossa comunidade, que permitem que o Concelho se mantenha na linha da frente, reafirmando, simultaneamente a sua identidade.

Ao autor, os maiores êxitos, pessoais e profissionais saldado com um abraço forte e solidário do tamanho da nossa Serra da Estrela.

Muito Obrigado a todos.




Comentário 
de Maisa Antunes *

Estranhos dias à janela dá a ideia de abertura, uma abertura desafiadora, porque é preciso vencer o desafio de olhar sem culpa, e a astúcia de perceber uma saída aventureira, uma saída que quebra convenções [no sair], torna-se preciso arriscar um pulo para sair, ou arriscar-se assumindo outros papéis para olhar, para olhar-se, e encontrar este estranho que há em nós.

O livro traz a perspectiva de estar na fronteira entre o distante e o íntimo. Estranhos dias à janela contempla o fora para ver o que estar dentro. O ritmo das palavras com seus enunciados trazem os contrários sem estabelecer dicotomias, mas a sensação de incompletudes de complementaridade – quem é o outro que vejo? Eu próprio? E assim se torna um exercício de reflexos, um espelho.

É a janela do inesperado, e da espera paciente...

Estranhos dias à janela – Uma janela que abre fendas na memória para acessar as distâncias, com intimidade, e assim nos leva ao poema pessoano “navegar é preciso viver não é preciso”.

De cada janela em diferentes lugares do mundo: ruminações de perguntas, de questões de todos nós, respostas internas que generosamente inclui o outro, do outro lado da janela.

Estranhos dias à janela é uma janela ampla que se transforma em varanda e nos oferece um lugar para sentar... para tiramos “a pedra do sapato” e arrumarmos o pensamento.  

Estranhos dias à janela convoca filósofos/poetas que através da perfeição literária e poética expõem a imperfeição humana. E assim este livro nos coloca na ciranda da vida, trazendo as reflexões do quem somos e as ilusões que nos salvam.

Uma janela que é retrato, e sendo retrato revela-se também um auto-retrato. Assim este livro parece uma autobiografia de todos nós, digo, de cada um de nós.



*Maisa Antunes é doutoranda em Pós-Colonialismos e Cidadania Global – no CES – Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra, com o projeto “A arte e a educação”; é colunista do Escrítica (www.escritica.com); e do Cidade do Anjo https://cidadedoanjo.wordpress.com; professora do Departamento de Ciências Humanas - Juazeiro, UNEB – Universidade do Estado da Bahia – Brasil.


Antevisão, 
de Sérgio Reis *

Doze anos decorridos sobre a publicação de “O Mundos dos Apartes”, fazia já falta um terceiro livro de Mário Jorge Branquinho, reunindo textos recentes, inéditos e dispersos, alguns dos quais publicados no seu blogue, Seia Portugal. Longe de ser uma mera coletânea de textos avulsos, “Estranhos dias à janela” reafirma o autor como perspicaz observador crítico do seu tempo e dos lugares, partilhando generosamente com o leitor o prazer da escrita e o seu entendimento do mundo – no sentido em que Kafka gabava a orientação recebida do seu amigo Oskar: "Tu eras para mim uma janela através da qual podia ver as ruas. Sozinho não o podia fazer." (Franz Kafka, Carta para Oskar Pollak).

Os últimos anos, de crise económica e aflição social, impuseram temas e reflexões a que Mário Jorge Branquinho não podia ficar alheio, como cidadão responsável e interventivo, preocupado com as condições de vida das gentes da sua terra, região e país. No entanto, não se procure nestes textos aguilhões panfletários para além da reflexão crítica sobre o contexto em que se desenvolve o atual mal-estar social e político, em parte provocado pela crise económica mas também fruto da excessiva confiança geral no funcionamento das instituições democráticas. “Estranhos dias” que cada qual pode observar, analisar e comentar do seu ponto de vista, da sua “janela”, ou de várias perspetivas e outras tantas “janelas” abertas pelos jornais, televisão e Internet para um “país em bolandas”, com toda a gente “a querer pular a cerca da inquietação” (O mundo em bolandas). Basta recordar a importância da imprensa na vida de Mário Jorge Branquinho (fundador, administrador, diretor e colaborador de jornais locais e regionais) e a relevância que concede à escrita, além da sua paixão pela fotografia, para exprimir ideias, sensações e sentimentos, integrando-se pelo mérito no colégio literário senense e na história recente da cultura em Seia.

O que diferencia principalmente este livro dos anteriores, cuja leitura se recomenda para melhor apreciação do caminho percorrido, é a inegável dimensão poética da escrita. Uma escrita apurada, culta, que se desdobra em significados e sentidos. Uma escrita “em arco”, inspirada e inspiradora, cuja musicalidade faz lembrar o jazz poetry e o rap, ecoando ao longo da frase e da superfície do texto. Induzindo viagens, pelas “janelas de emoções” e muito mais além, até ao âmago do problema, ao “busílis da questão”, o “centro da periferia”. “Escrever em arco é partir, andar por lá, em aventuras de escrita (…) e voltar são e salvo, sem hipotecas narrativas. (…) É ir a muitos mundos e voltar (…), tantas vezes sem sair do lugar, sem estagnar!” (Escrever em arco). Viagens no sentido de incursões, observações avançadas, visitações, mas também “desviagens” – esses desvios à vista que permitem encarar novos e velhos problemas de perspetivas inusitadas, emboscando-os mais à frente na curva do tempo, para os resolver, muitas vezes sem querer ou por acaso (como no serendipismo?) pois “nem sempre vamos aonde queremos” (Partir daqui, a partir de agora). Mas quando voltamos de uma viagem, somos ainda nós ou já outra pessoa? Para Miguel Torga, viajar “é deixar de ser manjerico à janela do seu quarto e desfazer-se em espanto, em desilusão, em saudade, em cansaço, em movimento, pelo mundo além" (Diário, 1937) e Mário Jorge Branquinho conclui justamente que “só não muda quem não acompanha nem quer sair do lugar” (E tudo mudou).

As fotografias que o autor articulou com os textos, pontuando o livro, permitem traçar o mapa das suas aventuras periféricas, como cidadão do mundo, “no cruzamento com outros, em ruas plácidas, ou em caóticos labirintos” (Inventário de sentimentos), captando momentos específicos e não apenas a memória dos lugares. Espreitando pela janela da máquina fotográfica as janelas do mundo, através das quais se avistam paisagens humanas, paraísos artificiais e outros abismos, “o paradoxo ilusionista em que se vive” (Olhar langue), os “novelos górdios” do nosso tempo e não apenas do nosso espaço e lugar. Os artistas, grosso modo, pintam as janelas nas fachadas, como olhos na cara das casas, mas os fotógrafos têm essa vertigem especial de perseguir imagens através de vidros, lentes de máquinas e janelas, aproximando-se imprudentemente da realidade – e por isso a fotografia é mais objetiva que a pintura. Mário Jorge Branquinho é fotógrafo amador (no mais autêntico sentido do termo “amador”, ou seja, “aquele que ama”) com diversas exposições e prémios no currículo, e as imagens soberbas que pontuam os espaços mentais do livro vão muito além do simples registo fotográfico ilustrativo, espicaçam a imaginação e a interpretação, desdobram-se em sugestões de narrativas.

Cada uma dessas imagens vale autenticamente por mais de mil palavras, procurando as legendas nas frases dos textos, tudo articulado com a engenharia possível numa obra desta natureza. Dois livros num só, como dois autores num só, que se completam e esclarecem mutuamente – um pouco à semelhança de Fernando Pessoa, poeta admirado por Mário Jorge Branquinho, que o evoca discretamente ao longo de “Estranhos dias à janela”.

O livro termina com palavras de incentivo, encerrando com a curiosa sugestão do fim de ano em agosto, um mês de calmaria propício a balanços, para começar do zero depois das férias, frescos e com ganas de refazer tudo um pouco melhor. “Afinal, porque é que não vale a pena, se nunca houve tanto progresso?” (O estado psicológico da nação. Pela positiva). “Em tempo de crise, de falta de muito, sobra a criatividade e a ousadia de fazer mais para fazer sentido” (Balanços). Assim seja.

*Professor e artista plástico, de Seia



 À janela amanhece
  por Alexandre Sampaio*


à janela amanhece
e o dia regressa
num turbulento esplendor

as sombras recolhem aos pés
primitiva casa de penhor
furtivas e insinuantes
e toda a noite trémula
orvalha

amanhece
irremediavelmente

a mesma luz cintila
e refracte
mas não reconheço em que tempo incide
a janela medeia o silêncio atraiçoado
e já o rouxinol que o canto segue

também tu querias que eu fosse pássaro
nascente
água desmedida que sobe ao olhar
e se desmancha sobre a mesa

mas partiste
ainda Endimião dormia

na primeira névoa
hiberna ao longe o estio da cidade
e são estranhos os dias à janela
que pairam sem florir

por isso o centeio dança com as mãos
no vidro frio da retina
e quando negras nuas se descobrem
são já as vozes dos camponeses
que as colhem

é o novo dia coroado
novo mastro peitoril

o vento ondula docemente o milheiral
(ressoa um sino na memória)
o pinhal emerge sumptuoso
(brisa de rosmaninho sobre a pele)
o rio espreguiça o seu ofício líquido
(verbo que humedece)

desenho no mapa embaciado
efémeros continentes
novas atlântidas e constelações
gestos e rotinas
que a claridade consome

gente que ri
gente que vê
gente que dá
gente que crê
gente que dorme
gente que morde
gente amontoada
a paisagem sua

abro a janela
(e digo-me adeus)



* Alexandre Sampaio, encenador, performance



quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

XI SEIA JAZZ & BLUES DE 18 A 22 DE MARÇO NA CASA DA CULTURA



Monica Ferraz, em versão jazzistica será uma das atrações da XI edição do Seia Jazz & Blues que decorre nesta cidade da Serra da Estrela, de 18 a 22 de Março.


A ex-vocalista dos Mesa subirá ao palco da Casa da Cultura de Seia no Sábado dia 21 de Março, para proporcionar ao público do festival um concerto diferente, correspondendo ao um desafio que já não é novo para a contora, conhecida por temas como ‘Go Go Go’, ‘Golden Days’ e ‘Have a Seat’, líderes de airplay nas rádios nacionais e em programas de televisão como o Blue Top, da MTV Portugal.

No dia anterior, sexta-feira será a vez de André Indiana Blues Band. Influenciado por Stevie Wonder, Jimi Hendrix, bem como pela cultura negra americana, André Indiana é seguramente um dos mais versáteis artistas da sua geração, firmando a sua carreira como cantor, compositor, guitarrista, multi-instrumentista e também produtor.

Na quinta-feira dia 19, o palco será da Big Band da Escola Profissional da Serra da Estrela. Presença habitual no Seia Jazz & Blues, a Big Band da EPSE é um projecto que nasce no âmbito da disciplina de “Projectos Colectivos de Improvisação” do Curso Profissional de Instrumentistas de Sopro e Percussão da Escola Profissional da Serra da Estrela, em Seia. Com o objectivo de iniciar os seus alunos na área da improvisação, desenvolve um repertório baseado em standarts do Jazz e do Blues, incentivando-os ainda ao desenvolvimento da criação artística.

Esta formação, orientada por Helder Abreu irá deslocar-se a várias escolas do concelho no primeiro dia do festival, para levar o jazz a cerca de 300 crianças, numa iniciativa integrada na rúbrica agora designada “Escolas com Jazz”.

No âmbito do festival, será ainda exibido Whisplash – Nos Limites, filme de Damien Chazelle, que conta a história de um jovem que sonha fazer carreira no mundo do Jazz. Uma obra que, das 5 nomeações que tinha para os Oscares, venceu 3, entre elas a de melhor ator secundário, J.K. Simmons.

O Seia Jazz & Blues, é um dos eventos “ancora” do municipio de Seia, por onde têm passado grandes nomes do jazz e do blues e que este ano se apresenta dentro de uma linha de forte contenção orçamental. 


terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

“Estranhos dias à Janela”, livro de Mário Jorge Branquinho, apresentado a 7 de Março na Casa da Cultura de Seia



“Estranhos Dias à Janela” é o título do livro de escrita criativa de Mário Jorge Branquinho, cuja cerimónia de apresentação terá lugar no próximo dia 7 de Março, no Cineteatro da Casa Municipal da Cultura de Seia.

Editado pela Sinapsis, do grupo Elêtheia Editores, o livro de 158 páginas, “leva-nos a viajar pelo mundo, numa dimensão suavemente poética”, segundo o artista plástico Sérgio Reis, que assina um dos textos introdutórios. O mesmo responsável acrescenta que se trata de “uma escrita apurada, culta e criativa, que se desdobra em significados e sentidos, levando a universos reais e imaginários, de fragâncias e fantasias, para dar que pensar”.

O livro será apresentado pelo professor Silva Brito e haverá ainda intervenções, de amigos do autor.

No foyer do cineteatro estará patente uma exposição das 25 fotografias que fazem parte do livro, feitas a partir de janelas de vários países, “remetendo a olhares reflexivos de horizontes diversos e ao interior de cada espetador”.

No palco, vão igualmente registar-se intervenções musicais e dramatização de textos por músicos e atores locais.


Mário Jorge Branquinho é licenciado em Ciências Sociais e Mestrado em Animação Artística. É programador cultural e diretor e fundador do CineEco, Festival Internacional de Cinema Ambiental da Serra da Estrela. Autor dos livros “Sentido Figurado” e “O Mundo dos Apartes”.

(nota de imprensa)