sábado, 12 de dezembro de 2015

Dá que pensar



Dá que pensar não pensar muito, assim como soa estranho, passarem os anos, quase meio século e nós redobrados nas nossas interrogações e incertezas do caminho. Do percurso que fazemos, das histórias de vida concebidas, dos sonhos e realidades conseguidas, assim como de tudo o que fomos capazes de enfrentar, nas alegrias e nas tristezas, no bom e no mau que decifrámos. Um caminho alucinado de esperanças e iluminado de crenças, umas vezes bem-sucedidos, outras frustrados, mas quase sempre assentes na banalidade efémera das causas, por não durarem como queríamos.

Dá que pensar, lembrando quando fomos crianças e sonhámos em ser crescidos e pelo meio do caminho recebermos doces e rebuçados, jogos, prendas e enamoramentos e muitos divertimentos. Podemos incluir memórias de tempos e momentos de parcos recursos e aqui e ali dalguma dor, por ser normal, mas sempre felizes, com quase nada.

Dá que pensar lembrar como fomos crescendo, sonhando pela normalidade de quem quer emprego e posses e família e filhos e carro e casa e mesa e roupa lavada e tudo o mais que leve a um padrão de conforto, além do que pudesse vir por direito próprio. Como também a lembrança da caminhada que foi prosseguindo, nem sempre a melhor, por tantas vezes optarmos por males menores em nome de estabilidade, em nome de princípios e regras e normas, com amor, com dedicação e sempre, mas sempre com denodada entrega ao trabalho, malfadada sina de quem não sabe fazer mais nada.

Dá que pensar não poder fazer a caminhada contrária, da cova às entranhas, como no estranho caso de Benjamin Button. Uma interrogação de quem chega a um provável meio caminho e se desdobra nas encruzilhadas, entre impulsos e recalcamentos, vontades contidas e desejos incontinentes e amiúde inconsistentes.

Dá sempre que pensar, mas chegados á ponta de onde se começa a ver vários fins de ciclo, de amigos que partiram e tempos que não voltam, quase explodimos. Quase saímos da repetição dos dias e das horas, das rotinas que acenam tontas e quase diluímos preconceitos de quem não está para mais nada senão para ver e sentir. De quem já ouviu de tudo e não quer saber de mais nada, de quem já perdeu e já ganhou, de quem já foi avisado e de quem mais ninguém se lembra se não for notado.

Pode parecer estranho desfiar assim um rosário de contas deitadas à vida, desta forma redonda, mas pode impor-se assim, sem mais.

Pode parecer estranho, mas só resvalando nalgumas inquietações, numa dose moderada de interrogações, escutando imprudentes silêncios, se pode augurar o sabor dos efeitos colaterais de um atrevimento de sentido contrário à norma.



MJB, 10 de Dezembro de 2015