Jornal Público, 5 de fevereiro de 2021
Escrevo
este texto, sobre a importância do cinema na promoção dos valores
ambientais, a partir da minha experiência enquanto diretor e
fundador do CineEco – Festival Internacional de Cinema Ambiental da
Serra da Estrela. Uma história contada na primeira pessoa, num
percurso de 25 anos, que nos traz à atualidade um evento organizado
pelo município de Seia, no quadro de programação cultural deste
concelho do interior do país.
Se
em 1995, quando, no âmbito das atividades do município de Seia,
lançámos o festival, os filmes se apresentavam numa versão
minimalista e com laivos de moralismo, focados sobretudo na natureza,
hoje ampliou-se de forma gigantesca o olhar de temáticas
relacionadas. O ângulo de abordagem nos mais de 600 filmes
apresentados anualmente a concurso, oriundos de mais de 40 países, é
cada vez mais alargado a temáticas diversificadas, já que hoje
quase tudo tem a ver com questões ambientais.
1.
Ao
longo dos anos foram sobressaindo numa primeira linha os
filmes-documentário
que, normalmente, retratam o mundo natural e frequentemente desastres
ambientais e uma certa “sacralização apocalíptica”; numa
segunda linha, filmes que assumem como tema questões ‘ambientalistas
puras’,
evidenciando frequentemente protagonistas ‘defensores da natureza’
(tal como o já popular Erin Brockovich) e, por fim, os de animação,
inscrevendo-se representações simbólicas das visões do homem
sobre a natureza.
Temáticas
pertinentes, com propósitos de alterar hábitos, afirmando-se alguns
festivais, não só como eventos,
mas acima de tudo como movimentos
capazes de gerar mudanças de comportamentos nas pessoas. Numa
espécie de gestos locais para mudanças globais, onde os jovens e as
crianças têm papel central. A confirmação de alguns fenómenos
como as alterações climáticas, as ameaças à biodiversidade, o
esgotamento de recursos, entre outros, colocaram na agenda mundial a
tomada
de consciência da
crise ambiental de carácter global.
Em
face destas ameaças cada vez mais presentes, nos atropelos aos
valores ambientais e de sustentabilidade, emerge o
imperativo de mudança.
De um modo geral e de forma simplista, o foco coloca-se sobretudo na
necessidade de redução de uso de plásticos, na redução de
consumo de carnes e outros alimentos compostos, e de uma maneira
geral na redução da emissão de gases com efeito de estufa
provenientes de industrias, transportes, agricultura ou resíduos.
Verifica-se
no entanto, a implementação recente de uma certa moda
ambiental,
em que muito é feito pela sustentabilidade, porque fica bem ou por
que impressiona ou vende. No entanto, nem sempre é assim, como
revela Werner Boote no seu filme Mentira
Verde (The Green Lie),
que abriu o CineEco 2018, onde se denunciam multinacionais que vendem
produtos verdes, mas que no fundo não passam de estratégias de
marketing para vender mais, em nome do ambiente. Daí o papel
decisivo das curadorias na elaboração das programações, entrando
em linha de conta com os Critérios
de seleção dos filmes
– qualidade artística e história que o filme conta e relevância
para problemas atuais e autenticidade cientifica. Por isso,
acentuamos a tendência para o critério
da esperança,
para que não seja apenas a “triste realidade” mas também casos
de sucesso. Não só nos filmes para crianças mas também para o
público em geral.
2.
Neste
contexto, importa sublinhar a importância do cinema
enquanto ferramenta que permite partilha de conhecimento, assim como
área de fornecimento de pistas de aprendizagem capazes de abrir
portas à reflexão. Que levem a questionar, a inquietar e a operar
mudanças de comportamento, sobretudo quando falamos de cinema
enquanto recurso educativo. E aqui, entra em linha de conta a
importância de problematizar estratégias de linguagem, operadas em
filmes eco-ambientais, de cariz educacional.
Filmes,
enquanto objetos artisticos e ferramentas pedagógicas, capazes de
demonstrar a importância das artes para mudanças de paradigmas nas
sociedades contemporâneas. Neste caso concreto das questões de
ambiente e sustentabilidade, podemos dizer que o cinema é uma
ferramenta muito importante e que dá os seus frutos. E tanto maior é
o contributo, quanto maior é o leque de intervenção. Quantas mais
sessões, mais ações e inciativas se multiplicarem, seja nos
auditórios, nas escolas ou outros espaços alternativos. E de
preferencia com o impulso de festivais de cinema, para darem mais
consistência à ação e missão.
É
um facto indesmentivel que nos últimos anos tem disparado o
surgimento de festivais de cinema no mundo e neste caso em
particular, de cinema ambiental. Isso também se deve ao incremento
muito abundante de produções cinematográficas focadas nas questões
ambientais. Festivais
que desafiam, inspiram e motivam as pessoas a sair e tentar fazer a
diferença nos seus mundos e em particular nos universos escolares.
Naturalmente
que os festivais são fenómenos das industrias culturais, mas também
da emergência de novos problemas das sociedades contemporâneas a
braços com ameaças e problemas de sustentabilidade que tocam de
perto todos os cidadãos do planeta. Festivais
de cinema de ambiente, que constituem um universo à parte. Entre
1999 e 2010, registou-se um pico de criação de festivais desta
temática e hoje, no calendário de realizações, concentram-se
sobretudo em nos meses de abril, maio e junho e outros nos meses de
setembro, outubro, novembro.
Tematicamente
restritos, mais do que plataformas de circulação de eco-cinema,
constituem-se como pontos de encontro onde os cineastas e o público
interagem. Ou seja, espaços e lugares onde emerge a natureza
democrática da participação popular, com conversação, diálogo e
estimulo à criação e participação.
Neste
quadro de ação dos festivais, a Educação
Ambiental
cumpre um desígnio importante, um serviço
público
que emerge em várias plataformas e projetos, para dar contributos
vários. Para formar públicos, para despertar o gosto pelo cinema e
pelo ambiente, para despertar consciências e formar cidadãos. Um
desafio duplo, entre a magia do cinema e a emergência de
preocupações e visões de natureza ambiental.
Entendemos
por isso, que além da difusão
do gosto cinematográfico,
o cinema ambiental tem sido um instrumento primordial na promoção
da educação
ambiental
junto de escolas. No caso concreto do CineEco, isso é feito em Seia,
no decurso do festival, mas também em mais de 40 cidades
portuguesas, através da sua vasta rede de extensões, exibindo
filmes e estabelecendo diálogos, em interação dinâmica e
motivadora.
Dessa
forma, dão-se pequenos contributos para a formação
de cidadãos
mais esclarecidos a nível ambiental, no sentido de poder permitir a
defesa de um bem-comum. Nesta matéria, predomina o género
de animação,
como forma de chegar mais próximo do público-alvo, neste caso, as
crianças. Género animado e atrativo, de modo a suscitar interesse e
entusiasmo e assim ajudar na ampliação
de públicos
para o cinema ambiental.
3.
Em
nosso entender, é possível um filme apresentar um problema,
denunciar determinado atropelo aos valores ambientais, mas ao mesmo
tempo contar uma história e por fim apontar caminhos para uma
solução
sustentável.
Tornar o filme ambiental como objecto artístico atractivo,
desmistificando a ideia de filme eco-chato.
Empoderar
a juventude
através da educação ambiental para a adoção de um estilo de vida
saudável é um dos propósitos dos festivais, de uma maneira geral
e que foi reforçado no I Fórum Internacional de Festivais de Cinema
de Ambiente que organizámos em Seia no CineEco 2018. E fomos bem
sucedidos, ao ponto de Giulia Braga, responsável de Comunicação
Externa do Banco Mundial e Connect4Climate, ter revelado
disponibilidade em apoiar jovens realizadores e cineastas com base na
proliferação de uma plataforma sobre o clima, no sentido de
influenciar decisões políticas de uma forma positiva. Uma posição
reforçada no mesmo fórum por Catherine Beltrandi, representante da
UNEP – Departamento de Ambiente das Nações Unidas, para quem é
importante a envolvência e mobilização das Universidades em todo o
mundo.
No
fundo, pretende-se que os alunos aprendam a utilizar
o conhecimento
para interpretar e avaliar a realidade envolvente, para formular e
debater argumentos, para sustentar posições e opções,
competências, consideradas fundamentais para a participação ativa
na tomada de decisões fundamentadas, numa sociedade democrática,
face aos efeitos das atividades humanas sobre o ambiente.
Já
agora, podemos dizer que os intervenientes deste 1º Fórum de
Festivais de Cinema Ambiental reconheceram ainda a importância da
componente
cientifica
para reforço da confiança no trabalho apresentado e um elemento
chave no esclarecimento das populações. Concluiu-se igualmente pela
importância do desafio comum dos festivais na criação de novos
públicos, uma
componente determinante da missão de cada festival. Uma missão de
serviço público, que é levar os jovens
a gostar de cinema
e a despertar os seus olhares e consciências para as questões
ambientais.
No âmbito da maximização do impacto dos festivais de cinema
ambiental nos seus países de origem, foi igualmente consensual o
poder de
impactar o público em geral, mas
também a classe
política para a tomada de ações concretas. No
caso português emerge uma certa urgência na cooperação entre as
tutelas do Ambiente e da Educação, de modo a que estes ministérios
possam reforçar o trabalho no domínio da Educação Ambiental. E
neste particular, o Cinema assume-se como importante ferramenta para
cumprimento desta missão tão premente quanto nobre.
4.
Chegados
aqui, reiteramos a importância da promoção da sensibilização
ambiental, assim como o incremento do diálogo aberto, crítico e
reflexivo sobre os novos desafios ambientais. Nesse quadro, colocamos
esse desafio e foco na realização de eventos de natureza científica
e de divulgação, como são os festivais. Nesse particular,
colocamos igualmente o ordenamento do território, a biodiversidade e
a geodiversidade, considerando o impacto das alterações climáticas,
na dimensão adaptação e mitigação, o uso eficiente de recursos e
a valorização do território. Um desafio que
considere o ordenamento do território e a conservação
e valorização do património
— natural, paisagístico e cultural — como elementos centrais que
nos permitem viver bem dentro dos limites do planeta, incluindo a
adaptação às alterações climáticas.
Incrementar
boas práticas ambientais e sobretudo as de educação para o
território, cujo potencial e valorização, se afiguram cada vez
mais como desígnio premente e imprescindível nos dias de hoje.
Nesse sentido, considera-se igualmente relevante que a
natureza em todo o seu esplendor, seja vista como um ativo político
e turístico, de que resulta a importância da sua preservação
assim como
da valorização das culturas
tradicionais, como
imperativos
das
nossas comunidades e entidades responsáveis.
Seia,
Janeiro de 2021
Mário Branquinho, Diretor do CineEco | Seia
https://www.publico.pt/2021/02/05/opiniao/opiniao/cinema-ferramenta-promocao-valores-ambientais-1949408?fbclid=IwAR1icCSYDA003A01qapqYJIsCpDYyFv3eV4QUnpNPuZvfEMVycLJfVx1iL4