sábado, 23 de julho de 2016

O desenvolvimento de Seia, transformações e paradigmas


A propósito da instalação de uma superfície comercial no lugar de uma das mais emblemáticas fábricas têxteis do concelho, entretanto desactivada  e no seguimento de desabafos e conjecturas entretanto feitas, ocorreu-me abordar esta temática por se relacionar com o processo de desenvolvimento do concelho de Seia.

Durante décadas, no concelho de Seia prevalecia uma mono-indústria, a dos têxteis, de que Lúcia Moura aborda no seu livro O Concelho de Seia em Tempo de Mudança (1997), com enfoque nesta indústria dos finais do século XIX ao desabar da 1ª República. Um sector que prevaleceu, até ao séc. XX, desabando esmagada pela invasão de produtos chineses, na década de 90. O impacto poderia ter sido muito desastroso para o concelho, pela super-dependência desta indústria, mas graças à intervenção do poder politico, os encerramentos foram feitos paulatinamente, apesar de algum sofrimento. No período áureo, estimava-se que estivessem empregadas nesta indústria e vários subsectores, cerca de 3 mil pessoas, entre Fisel, Vodratex, Fercol, Vila Cova, Loriga e Santa Marinha. Foi um período próspero, impulsionado por um homem: Joaquim Fernandes (1915 – 1996), no próximo dia 9 de Dezembro completam-se 20 anos após a sua morte.

Essa é a questão, quando um concelho está demasiado dependente de uma fonte de riqueza.

Naturalmente que em paralelo se desenvolveu a actividade de aproveitamento hidro-eletrico, mas de menor impacto na absorção de mão de obra, sobretudo depois de feitas as barragens e centrais da Estrela.

Como a necessidade aguça o engenho, com a queda dos têxteis outras pequenas indústrias foram emergindo e hoje podemos referenciar o sector de calçado, através de investimento alemão, mas significativo. Podemos igualmente referenciar o sector dos lacticínios, quer através das queijarias artesanais, quer através das várias fábricas de queijo, que abastecem os mercados nacionais e internacionais. Um sector a necessitar de matéria prima, ou seja leite de ovelha bordaleira, para poder expandir ainda mais. Fenómeno idêntico ao da produção de medronho, que tem uma procura imensa no mercado dos anti-oxidantes. Acrescenta-se ainda nesta área de negócios com peso na economia local os relacionados com os vinhos, o pão, a fruta, o mel e os enchidos.


Neste paralelo, surgiram os chamados call-center’s, mas é o mercado turístico, com o incremento dos alojamentos, restauração, lojas de produtos, que ganha espaço e relevo no quadro económico do concelho. É evidente que tirando o agro-alimentar, que se impôs graças ao empenho de agentes empreendedores, a área do artesanato em geral não logrou render muito para a nossa região, porque, tirando os Chinelos da Avó, resultantes também de dinâmica empreendedora de uma jovem local, não temos um produto dito artesanal da Serra da estrela que se tenha imposto no mercado.

Em paralelo, surgiram alguns serviços que se reputam de muito importantes, no quadro do desenvolvimento local, particularmente na área do ensino, como sejam o incremento da Escola Superior de Turismo e Hotelaria, do ensino artístico da Escola Profissional da Serra da Estrela e do Conservatório de Música. A intervenção destes e de outros estabelecimentos e instituições, sobretudo da área social, que têm igualmente forte impacto na economia local, tem entroncado na estratégia do município, que tem feito da cultura e do ambiente, factores de desenvolvimento local. Uma estratégia que tem passado igualmente por incrementar o espírito empreendedor dos jovens, através de intervenções nas escolas e instituições, que tem dado frutos, mas ténues. E vários são os factores que estrangulam o apetite de investimento nesta região, a começar pelos decorrentes da Interioridade, que todos já conhecemos.

Apesar disso, não podemos baixar os braços, nesta quadra de capitalismo selvagem, que não tem forma de impedir que se instalem um número indefinido de supermercados numa pequena cidade de um dia para o outro. Já houve a fase em que todos abriam pastelarias, depois seguiu-se a fase do fim do monopólio das farmácias e agora não há regras nem entidades reguladoras que nos valham.

Apesar de conhecermos as transformações operadas e os novos paradigmas surgidos, não podemos desistir de continuar a incrementar o espírito empreendedor, para que os jovens percebam que não basta procurar emprego, mas sim procurar criar empresas para gerar investimento e criar riqueza, independentemente das angústias e outros constrangimentos associados.

Apesar de se saber que nunca foi tão difícil como agora abrir um negócio, criar uma indústria, com tantos “custos de contexto” como pomposamente lhe chamam, porque só quem tem de pagar as contas todas ao fim de cada mês, sabe o que custa ser empresário e empreendedor.

E aqui como no resto, resta acrescentar que já todas as frases foram inventadas para salvar o mundo, falta apenas uma coisa, salvar o mundo!


MJB