domingo, 12 de junho de 2016

Em Buenos Aires com o CineEco de Seia




Acabo de participar em mais uma jornada de trabalho na área do cinema de ambiente que me deixa marcas profundamente positivas, tanto no campo pessoal, como no aspecto profissional.

Regresso de Buenos Aires, essa grande capital da Argentina, onde participei como júri da competição internacional de longas-metragens do FINCA – Festival Internacional de Cinema Ambiental, assim como orador numa conferência sobre festivais de cinema ambiental e numa Mostra de filmes CineEco de Seia. Tudo numa semana intensa, de 1 a 8 de junho deste 2016, com o Verão a chegar a Portugal e o Inverno frio e desconfortável a penetrar na terra de Carlos Gardel. Uma experiência na sequência do convite que me foi dirigido pela Diretora do festival, Florência Santucho, na minha qualidade de diretor do CineEco e membro do Green Film Network, rede de 32 festivais de todo o mundo de que também somos fundadores.

Uma oportunidade para dar e receber, partilhando o que de melhor fazemos há 22 anos e aprendendo para melhorar, num processo de partilha e intercâmbio entre festivais da mesma rede. Uma forma de actuar e conhecer, onde cada festival que convida assegura as respectivas despesas através de apoios e patrocínios diversos, como fazemos em Seia, onde o município, entidade organizadora procura todos os anos aproximar a receita da despesa e assim manter o festival ano após ano. Uma aposta continuada pelo Presidente Carlos Filipe Camelo, reiterando os propósitos de ver na cultura e no ambiente, factores de desenvolvimento local.

Por isso, esta foi uma experiência marcante num festival impactante, na senda da afirmação internacional do festival de Seia, sobretudo nos principais países da América Latina. Depois de em anos recentes ter sido Júri em festivais e levado Mostras do CineEco ao Brasil – festival Filmambiente no Rio de Janeiro; festival Fica em Goiás e Festcineamazónia em Porto Velho e ao México – Cinemaplaneta em Cuernavaca, surgiu agora esta oportunidade na Argentina.

Desde logo a longa viagem de Lisboa a Buenos Aires, com escala em São Paulo, uma passagem só possível com o apoio da embaixada de Portugal na Argentina, que prontamente acedeu ao pedido da organização do FINCA, pela referência que tinham do festival português! E depois, chegar a uma cidade densa e maravilhosa, como é Buenos Aires, com muita marca europeia, muito para ver e apreciar, num momento de situação política, económica e social complexa, dura e difícil.

Em primeiro lugar o trabalho.

Reparti o Júri com Marcelo Burd, docente da Faculdade das Ciências e da Comunicação da UBA, realizador e guionista e Damián Verzeñassi, médico, professor titular e responsável académico de saúde ambiental e práticas finais da carreira de médico na Universidade Nacional de Rosário.

Assisti aos filmes em competição – 7 longas-metragens de grande qualidade, com abordagens diversas, desde o desenvolvimento sustentável, alterações climáticas, soberania alimentar, os impactos das extrações minerais, as contaminações, energias renováveis e a mãe terra, essa terra de onde tudo provém!

Atribuímos o primeiro prémio a “Sagrado Crescimento” / Sacrée Croissance, (França), de Marie-Monique Robin, um trabalho que propõe um conhecimento às alternativas e alterações possíveis frente ao paradigma do crescimento hegemónico e apresenta experiências colectivas que estão em marcha, para ajudar a construir sociedades mais saudáveis. Atribuímos ainda Menção Honrosa a La Tierra Roja, de Diego Martinez Vignatti (Argentina, Bélgica e Brasil), uma ficção que interpela o espectador frente a conflitos ambientais, sociais e políticos presentes numa região, sobretudo no que toca à problemática das contaminações nos alimentos e a La Buena Vida, de Jens Schanze, (Alemanha) que aborda problemáticas ligadas às extrações mineiras em grande escala e a consequente destruição dos povos, suas culturas e territórios.

Por aqui dá para ver o interesse dos temas tratados do ponto de vista ambiental, à semelhança de muitas outras abordagens também presentes noutras sessões paralelas e na Mostra de Filmes CineEco. Esta Mostra, que constituiu mais um factor de afirmação do festival de Seia, contou com a exibição das curtas: Um Verão Interminável, de Carmen López Carreño (Espanha); Cinema Dehors, de Filippo Rivetti e Tatiana Poliektova (Austrália, Rússia); Decadence of Nature de Olga Guse (Alemanha); Si J’avais une vache, de Norma Nebot (Espanha) e Pies secos do realizador chileno Joaquin Baús Auil, que esteve presente e com quem conversámos a propósito da estreia mundial deste filme em Seia, na edição do ano passado do CineEco.

Foram ainda exibidos nesta mostra as longas A Mulher e a Água, de Nocem Collado, (Espanha); Buscando desesperadamente uma zona branca, de Marc Khanne (França) e Todo o Tempo do Mundo, de Suzanne Crocker, (Canadá), que também esteve presente e com quem recordámos o sucesso que o filme teve em Seia e que se repetiu em Buenos Aires.

Foi um gosto participar nesta Mostra onde o público aderiu e registou o aroma de filmes que habitualmente passam no único festival de cinema de ambiente que se realiza em Portugal e um dos mais antigos no mundo.

Para um dos dias do festival estava também marcada uma conferência - Como organizar um festival de cinema com compromisso social, onde foi apresentado um “manual para organizadores de eventos cinematográficos de direitos humanos e meio ambiente” e que conta com um texto que me foi solicitado, a propósito do “CineEco, como caso de estudo”. O manual pode ser consultado aqui: http://imd.org.ar/manual/

Entretanto, um dos momentos altos do festival foi a conferência sobre Soberania Alimentar, que decorreu na Aula Magna da Faculdade de Medicina de Buenos Aires, com a presença de Vandana Shiva, filosofa e escritora indiana, ativista em favor do ecofeminismo, criadora da Fundação para a investigação científica, tecnológica e ecológica. Um auditório completamente cheio para ouvir uma voz autorizada no combate aos agrotóxicos. Porque a comida é a porta de entrada para quase todas as doenças, é preciso combater a hegemonia das grandes indústrias alimentares, como é o caso da Monsanto que acaba de fundir-se com a Bayer e que é causadora do surto exponencial de cancros e outras doenças mortais em todo o mundo.

Outra actividade importante foi a reunião aberta de Vandana Shiva e Marie-Monique Robin com a Comissão de Ambiente e desenvolvimento sustentável do Senado da Nação Argentina, para sensibilizar o poder político para estas questões de soberania alimentar.

A organização do FINCA, que cumpriu este ano a 3ª edição sob a direção de Florência Santucho, pertence ao Instituto Multimédia de Direitos Humanos de que é presidente Júlio Santucho. Esta organização promove igualmente um Festival de Cinema de Direitos Humanos, que vai na sua 15ª edição, tendo por isso uma equipa muito profissional, coesa e solidária, bem como uma extensa lista de voluntários que dão vida e dinâmica às iniciativas.

Durante a semana, fui sempre acarinhado e bem recebido por esta equipa fantástica do festival e outros convidados, com destaque para os realizadores Ricardo Gomes – Mar Urbano (Brasil), Giulio Squarci – Os Guardadores da água (Itália), Miryam López, diretora de comunicação do Festival da República Dominicana, entre muitos outros.

Para além das actividades em que estive envolvido, deu ainda para desfrutar da cidade, passeando junto ao Rio Del Pata, na Feira de San Telmo, no Caminito,... Nas várias caminhadas entre hotel e cinemas por ruas movimentadas, Florida, Tucuman, Córdoba, Rivadavia e Avenida Corrientes, esta última com as suas salas de teatro e por isso considerada a “rua que nunca dorme” e por vezes conhecida como a Broadway de Buenos Aires.

Ainda o imponente Obelisco, a praça San Martin, o bairro de Palermo Soho e a mítica livraria Ateneu, onde comprei o último livro de Eduardo Galeano, El Cazador de histórias, editado após a sua morte no ano passado e que ainda não chegou a Portugal.

A convite da organização, deu para assistir a uma noite de Tangos no mítico café de Los Angelitos, tango que ainda havia de dançar para a fotografia numa das ruas do centro, para turistas e noutro local a uma festa de folclore.

Porque no domingo não tinha programa, aproveitei para fazer o Bus Turístico, onde encontrei um grupo de portugueses que de Seia conheciam “os joelhinhos”! E de joelhos e restante corpo meio frio, pelo ar gélido da cidade, assim fui conhecer melhor os lugares de que falavam e que antecipadamente tinha anotado, sobretudo da imponência do seu centro e outras zonas residenciais, que configuram grandes contrastes entre zonas ricas de um lado e bairros pobres do outro.

Por fim um imprevisto, o taxista que me esperou no hotel às 6 da manhã, levou-me para o aeroporto errado. Como ainda faltavam duas horas e meia, entrei noutro táxi, quase já sem pesos e alguns euros, mergulhando num trânsito imenso, meio angustiado, na incerteza de chegar a tempo e a ver os minutos passar. Não ganhei para o susto e por um minuto não fiquei em terra!









 









Mário Branquinho
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