quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Mário Branquinho _ A surpresa dos amigos


Guardo aqui o filme do Eduardo Galguinho e voz de Ricardo Alvo, para memória futura, a propósito da surpresa que os amigos da Associação de Arte e Imagem de Seia me fizeram na última edição do festival ARTIS 2016, a 7 de Maio.

sábado, 1 de outubro de 2016

Vila Cova (Seia): Uma história multissecular de António da Silva Brito



Antes de mais, quero dizer que é uma honra para mim ter sido convidado pela família do Prof. António da Silva Brito para apresentar o livro escrito pelo mesmo. Uma honra e um enorme desafio, esperando poder estar à altura da qualidade da obra apresentada, do prestígio de quem a escreveu e do convite formulado.
Foi em meados dos anos oitenta que eu me cruzei com Silva Brito, era eu um jovem agente e animador cultural a dar os primeiros passos, sobretudo no associativismo juvenil. Foi, de resto, o movimento associativo que nos juntou num projeto comum: a criação da Inter-associações do concelho de Seia, eu na qualidade de Presidente da Associação Recreativa e Cultural do Sabugueiro e Silva Brito enquanto Presidente do Centro Juvenil de Vila Cova. Uma estrutura que agrupava perto de 100 coletividades do concelho e que procurava elaborar projetos comuns, numa perspetiva de desenvolvimento cultural inclusivo e abrangente. Uma estrutura que coordenou actividades, lançou projetos e ideias novas, estimulou o associativismo e criou campo fértil para a melhoria no desempenho dos vários dirigentes associativos do concelho de Seia.
Mais tarde, encontrámo-nos noutros projetos, incluindo os jornalísticos, quando Silva Brito foi diretor do jornal Porta da Estrela e eu um modesto colaborador.
Entretanto, em 1996, convido-o para escrever o prefácio do meu primeiro livro, Sentido Figurado, o que muito me honrou, um livro cuja capa foi concebida por Sérgio Reis. Uma honra redobrada anos mais tarde quando, em março de 2015, Silva Brito aceita fazer a apresentação do meu terceiro livro, Estranhos Dias à Janela. E quanto empenho Silva Brito colocou na análise desta obra!
E assim nos fomos cruzando e partilhando ideias, na doce descrição de um intelectual que este ano o concelho de Seia perdeu.
Agora cheguei aqui e espero estar à altura de lhe retribuir expressando algumas palavras acerca uma obra riquíssima, cuja leitura se recomenda e, quem sabe, um dia servir de mote para espetáculos de teatro comunitário ou para reflexão sobre vários aspetos de desenvolvimento local.
Um livro que dignifica quem o escreveu, ainda que publicado após o seu desaparecimento do mundo dos vivos, que o autor dedicou à sua família “para que a ligação às raízes nunca se extinga”.

Um livro que nos apaixona na leitura, prendendo-nos às histórias contadas, numa longa viagem de séculos, devidamente enquadradas nos contextos históricos e respaldadas no empenho, engenho e arte do escritor, aqui feito historiador.
Uma monografia de Vila Cova de Seia cujo exemplo pode muito bem ser seguido por outras personalidades, para enriquecimento do património cultural do nosso concelho. Neste sentido, este livro expressa o seu contributo.
Na leitura desta obra dei por mim a decifrar os códigos descritos por Silva Brito e a viajar na história. Partimos assim numa expedição onde Silva Brito nos descreve vivências com muitos séculos, ou melhor, uma sucessão de histórias multisseculares sobre Vila Cova de Seia.
Silva Brito convoca-nos para essa tal viagem de memórias que começa nos primórdios da nacionalidade até aos nossos dias. Viagem com marcas nos campos, nas casas, nos monumentos, nas praças, nas ruas, onde ainda hoje nos reencontramos com a história do lugar. “Histórias de vida, esforço e ambição, de milhares de pessoas anónimas, de todas as condições, que deixaram, cada um a seu modo, uma pedrinha, mais ou menos decisiva na construção da nossa casa comum”, como se pode ler na lombada do livro.
Silva Brito começa por ir às raízes, aos primórdios de Vila Cova, por trilhos e anotados caminhos, buscando, nos arquivos e nas obras publicadas, em aturado estudo e paciente dedicação, respostas a perguntas para trazer à luz deste século XXI um estudo importante sobre esta localidade situada nas margens do rio Alva.
Uma monografia cientificamente irrepreensível, uma obra que dignifica um povo, enfim, um aturado trabalho histórico para os vindouros, a partir deste presente emergente.
Contudo, o escritor, aqui na pele de historiador, interroga-se várias vezes na decifração de fenómenos, começando precisamente nos vestígios que apontam para a ocupação do local na época romana, no sítio das Cabeças. Quem sabe assim se esta obra poderá incentivar novos estudos sobre a ocupação romana do nosso território, como aliás sugere o autor: “quando se fala de ponte romana de Vila Cova, esta convição precisa de ser suportada em estudos adequados. O que sabemos - acrescenta - é que é pelo menos medieval, dos séculos XII e XIII. E como sustenta o mesmo “devia ser classificada de imóvel de interesse público e vedada a trânsito pesado”.
Como refere o autor, Vila Cova constituiu-se como um agregado populacional de pequena dimensão, por volta dos séculos X e XI. Vila Cova era um núcleo de agricultores que aqui se estabeleceu, que ganhou estrutura e identidade próprias com o passar dos tempos. Era uma villa como tantas outras, com gente que labutava nos campos. Há um ano de referência,1138, numa carta do príncipe Afonso, onde é feita a primeira alusão ao topónimo Vila Cova, o que não quer dizer que não tenha sido habitada antes.
A palavra villa vem do Latim quinta, terreno de exploração. Daí, ainda hoje, os lugares “cimo da vila” e “fundo da vila”. E a palavra Cova com o sentido de concavidade ou depressão tem a sua razão de ser na orografia do local.
No século XVI, surge uma referência a Vila Cova à Coelheira, tendo-se registado a partir daí alguma confusão com um nome idêntico ou igual relativo a outra Vila Cova à Coelheira. Por isso, Silva Brito recomenda na sua obra aos órgãos autárquicos que se ocupem desta questão toponímica. Há mesmo um documento importante, que remonta às Inquirições Gerais de 1258, que comprovam a toponímia de Vila Cova.
E nessa viagem rápida que vos trago em jeito de síntese, através da leitura apaixonada do livro de Silva Brito, apresso-me a dizer que, de 1496 a 1527, a população aqui cresceu 91%! Em 1585, terá passado para o domínio dos Marqueses de Gouveia.
Trazendo algumas novidades do livro à luz destes dias, em termos de património religioso, sublinho o facto do templo de Vila Cova ter sido edificado no século XIII. A Igreja encontraria local definitivo onde é hoje o cemitério, aí se mantendo até alvores do século XX. E claro, o orago, é, desde sempre, São Mamede. Da igreja primitiva sobrou a atual capela do cemitério, a que corresponderá uma parte do primitivo templo.
Já a capela do Santíssimo Sacramento remonta ao século XVI.
Ainda outro templo da Freguesia, que atesta a profunda religiosidade da população, foi, durante séculos, a capela de São Pedro, existente no local onde desde o início do século XX está implantada a atual igreja.
Da instituição paroquial de Vila Cova pouco se sabe até ao século XVII. Foi um longo percurso até passar a ser paróquia de facto e a ter o seu próprio cura, que era indicado pelo vigário de Santa Maria de Seia. Desde os alvores da nacionalidade até 1882, Vila Cova pertenceu à Diocese de Coimbra, passando, neste ano, para a Diocese da Guarda. Desde os alvores do século XIII pertenceu ao Mosteiro de Santa Cruz.
No lugar da Praça existiu um Pelourinho, onde teriam também existido a Cadeia do concelho e a Câmara, até finais do século XIX, princípio do século XX. Hoje, há uma peça que comprova tal existência à entrada da sala da Junta de Freguesia. Em 1974, a Junta mandou construir um Pelourinho, mas este tem pouco a ver com o antigo.
Entretanto, refere Silva Brito, a antiga casa da Câmara e a Cadeia foram adquiridas pela D. Ana Clementina. Esta alienação e posterior reconstrução fizeram perder mais um símbolo da velha autonomia da vila.
Da leitura da obra, uma outra referência se impõe e que tem a ver com as visitas pastorais, nos séculos XVII, XVIII e XIX (1612 – 1830), porque “assim os bispos vigiavam o estado de conservação das igrejas e controlavam o seu património.
Continuando a viagem histórica multissecular de Silva Brito, Vila Cova foi reconhecida como estrutura municipal enquanto freguesia e concelho rural autónomos desde o século XIII, até precisamente ao ano de 1836, altura em que passou a pertencer ao concelho de Sandomil, até 1855. Dezanove anos, portanto, passando posteriormente a integrar o Concelho de Seia. Ou seja, terá sido concelho desde o século XIII até à primeira metade do século XIX. E assim, ao longo dos tempos, Vila Cova contou com um ou dois Juízes, Vereadores e um Procurador, além de outros magistrados.
Deliciosa é também a descrição de como eram eleitos os vereadores, mas isso, deixo para lerem a partir da página 209!
Nas mudanças administrativas, cabe o destaque para a Junta da Paróquia de Vila Cova, antepassadas das Juntas de Freguesia, criadas em 1830, com um Regedor, um Secretário e um Tesoureiro, para gerir os bens da Paróquia. Posteriormente, passou a ser composta por um Presidente, que era o pároco, um Secretário e dois membros eleitos, já que, com o fim da Câmara, esta responsabilidade passou para este órgão.
Nas delícias bem contadas, aprimoradas e contextualizadas nas épocas por que o nosso país passava, ficamos também a saber como foi construída, em 1815, a Levada Pública, assim como nos retemos nas recambolescas histórias do conflito com a Empresa HidroEletrica da Serra da Estrela, por causa da utilização das águas do rio Alva. Estávamos em 1934, ano em que se negoceiam as contrapartidas e é salvaguardada a questão do caudal para a rega das propriedades. Decorrem negociações com advogados, engenheiros, a empresa, o povo e a Junta de Freguesia. E até o Governador Civil da Guarda, Borges Pires, se dispõe a mediar o conflito, mas sem efeito. Chega a ir de Vila Cova uma delegação ao Ministério das Obras Públicas a Lisboa. Avançam as obras, continua a controvérsia e há, inclusivamente, registo de uma carta enviada a Salazar dando conta do desagrado. Em 1938, continuam as obras e continua a faltar a água nos campos. Surgem, entretanto, levantamentos populares e expressões como “Bota a baixo que a água é nossa”.
A luta valeu a pena e a Levada Pública sobreviveu.
A Central de Vila Cova tinha sido inaugurada em Janeiro de 1937 e a inauguração da Luz nesta terra ocorreu em 17 de janeiro de 1938, ou seja, um ano depois da entrada em funcionamento da Central.
No livro de Silva Brito também se refere a atividade mineira, das areias do rio Alva que teriam ouro e da extração de Volfrâmio e de Estanho, por alturas da Segunda Guerra Mundial. Era tempo de guerra, havia muita pobreza e privação. A mina do Volfrâmio localizava-se no sítio dos Vales.
Entretanto, um à parte, para dizer que em 1951 foi inaugurada a Casa do Povo, onde funcionavam vários serviços e, na parede exterior da mesma, chegaram a ser exibidos filmes ao ar livre!
E assim, nesta viagem que vos trago muito resumidamente, chegamos ao quadro dos lanificios, uma atividade artesanal que cedo evoluiu para uma produção industrial e que marcou uma época na história de Vila Cova. No século XIX e início do século XX, havia em Vila Cova tecedeiras e tecelões que disso faziam atividade habitual. No início do século XX, instalou-se uma unidade industrial têxtil, pertencente a Joaquim Silva Abranches. Por essa altura, M. Amaral Marques fundou a Fábrica do rio Alva. Em 1937, esta unidade empregava 40 pessoas. Nas primeiras décadas do século XX, forma-se a Martinho Fael e Moura, Lda. que viria a dar sustento a quase 200 pessoas. Em 1981, sucedeu na empresa Célio Martinho. Modernizou-a, passando a designar-se Lanificios Martinho. Em 2004, o neto, Amândio Martinho, tomou o difícil encargo da sua gestão até à sua liquidação.
E assim vamos chegando aos nossos dias, passando por referências à existência de Tele-escola, desde 1969 até 1973, por iniciativa do Padre Jaime Carvalheira; às vias de comunicação; ao edifício das Repartições Públicas de Vila Cova; às redes de água, saneamento e ETAR; aos equipamentos desportivos e de lazer.
Igualmente referências incontornáveis ao associativismo em Vila Cova, registando-se na segunda metade do século XX, nos princípios da década de cinquenta, a criação do Rancho Folclórico “Estrela D’Alva”.
E claro, o Centro Paroquial de Cultura Juvenil, criado em Setembro de 1967, de que Silva Brito foi principal impulsionador.
A matriz essencial da ação do autor era fazer e divulgar a cultura, em todas as suas vertentes, da popular à erudita. Começou com uma Biblioteca, a publicação do Boletim “Rumo ao Alto”, a criação de um Rancho Juvenil e de um Grupo de Teatro, este considerado o mais duradouro e mais sério dos projetos culturais do Centro. O Grupo teve um longo e rico historial, tendo inclusivamente representado o Distrito da Guarda, em Lisboa, na XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura, em maio de 1983, além de levar o teatro a muitas aldeias e cidades do centro de Portugal.
Realizava sessões de cinema com regularidade, recorrendo a exibidores ambulentes e à Fundação Caloustre Gulbenkian.
A dinâmica Cultural do Centro, de que Silva Brito era a verdadeira mola real, levou igualmente à criação do Grupo de Cantares “Águas Novas” que depressa ganhou notoriedade, sendo requisitado para muitas digressões pelo país, chegando a atravessar a fronteira, em 1988, para atuar em Contrexeville, no contexto do ato de geminação desta cidade francesa com Seia e com o Luso.
Ao longo de um quarto de século de atividade, o Centro Cultural de Vila Cova levou a cabo inúmeras atividades culturais, recreativas e desportivas – colóquios, exposições, passeios, festivais de música tradicional e coral, concursos literários, classes de dança, jazz, entre outras. Uma das mais originais e surpreendentes foi a existência de uma estação de rádio, com o nome de “Rádio Horizonte”, que funcionou entre abril de 1987 e janeiro de 1989.
No campo associativo, regista-se também a Associação Operária de Vila Cova, fundada em Outubro de 1974, mais vocacionada para a área do desporto.
Outros factos e marcos descritos na obra poderiam ser sublinhados, sem haver a pretensão de qualquer secundarização dos mesmos, mas trata-se de uma impossibilidade dada a dimensão da obra e o objetivo desta apresentação no sentido de evidenciar as inegáveis qualidades do autor, quer enquanto escritor quer como homem da terra que o mesmo procurou preservar através de um importante testemunho público. (podes terminar o texto com uma frase dentro deste género para não quebrar logo o texto ou as descrições feitas, parece-me mas vê o que achas melhor)
E assim se completa a viagem, interrompida na fase de apresentação pública e que hoje aqui cumprimos, nesta cerimónia simples e singela, tão simples e tão ao jeito da personalidade de Silva Brito.


Mário Jorge Branquinho
Vila Cova, 1 de outubro de 2016