sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Plano e Orçamento do município de Seia para 2017


O meu discurso na Assembleia Municipal de Seia, realizada neste dia 23 de dezembro, a propósito do Plano e Orçamento do município de Seia para 2017:


"Como acontece todos os anos por esta altura, somos aqui chamados para discutir e votar o Plano de atividades e orçamento da Câmara Municipal de Seia para o próximo ano.

Este é sempre um momento oportuno para nos pronunciarmos sobre as principais linhas a seguir durante o ano.

E o que vemos é um orçamento realista de quase 20 milhões de euros, considerados suficientes para fazer face aos desafios que aí vêm num ano que vai marcar o arranque de obras com financiamento comunitário, do chamado 2020, que já vem atrasado em 2 anos.

Naturalmente que as grandes fatias vão para os serviços de águas, saneamento e resíduos, cujos montantes representam cerca de 27% do valor global; para as operações de dívida autárquica, que representam 26 e meio por cento; Industria, comércio e energia (9,19%) e ação social (7,84%).

Na análise aos documentos, verificamos as outras áreas com dotações significativas, numa lógica que nos parece de ter de se fazer muito com os poucos recursos disponíveis. Numa lógica atenta a algum pequeno desafogo financeiro, já que o município tem sido cumpridor, no abatimento de divida, lucrando aos poucos nalguns acrescentos orçamentais e poupanças. Da segunda renegociação da dívida com os bancos, por exemplo, resultam igualmente alguns ganhos para o município.

Por isso, as execuções orçamentais apontam para um aumento gradual do investimento público municipal, sobretudo através do lançamento de programas e ações direcionadas para as famílias, o incentivo à fixação da população, à captação de investimento e criação de emprego, com diminuição continuada e sustentada da dívida, como já referi.

Uma nota também de destaque para o Orçamento Participativo que pela primeira vez consta do Plano e Orçamento e que permite aos cidadãos dão sugestões de projetos, ideias e ações no quadro do desenvolvimento local.

Evidentemente que estamos aqui para analisar as propostas para 2017, mas temos de espreitar os anos seguintes, já que se iniciam agora planos para vários anos, como é o caso do PEDU, que é o Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano, que se prolongará nos próximos anos e que trata investimentos de mais de 10 milhões de euros, dos quais 4 milhões 250 mil na primeira fase, até 2018. Um plano que será uma oportunidade única de mudar a cidade para melhor, uma cidade que é para onde tudo drena, um centro aglutinador que tem de ter todas as condições para se viver com qualidade.

Por isso, este é um tempo novo que vivemos, com nodos e diferentes desafios e que exigem cada vez mais criatividade e espírito empreendedor e diria, revolucionário. Para mudar, para fazer o que falta.

Naturalmente que vivemos um tempo novo no quadro da gestão autárquica, onde se servem novas formas de governação, assente numa visão cada vez mais alargada aos outros municípios. Numa lógica de comunidade, para ganhos de escala e de eficiência, como são as várias iniciativas decorrentes da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela, que vão desde o combate ao insucesso escolar, à rede de mobilidade e transportes, ao Ordenamento do território, aos equipamentos culturais e desportivos, à programação em rede, à promoção turística de todo o território. O próprio Plano de eficiência energética, referente à iluminação pública na Comunidade dos 15 concelhos assim como no investimento para intervenção em caso de catástrofes, unidades móveis de saúde, entre outros.

Ou seja, para além dos planos e orçamentos dos municípios, numa lógica centrada em cada concelho, há o plano e orçamento da CIM das Beiras e Serra da Estrela, numa lógica integrada dos 15 concelhos.

É esta nova visão que importa sublinhar, quando falamos de desenvolvimento local, onde os vários municípios estão condenados a dialogar entre si, para fazer mais e melhor, com menos recursos para as suas comunidades, mas com mais determinação e espirito alargado.

Outra realidade tem a ver com o Programa Nacional para a Coesão Territorial, um trabalho notável que resultou da ação da Unidade de Missão para o Desenvolvimento do Interior do país, lançada pelo governo e chefiada pela professora Helena Freitas.

Ou seja, há novas frentes que se abrem e que dão confiança às Câmaras do Interior do país, para abrir novas frentes de desenvolvimento.

Tudo isto porque é preciso incentivar as dinâmicas de especialização inteligente de âmbito local e sub-regional e que deverão ser apoiadas no conhecimento e na inovação produzida pelas instituições de ensino superior e na massa crítica que agregam e que disponibilizam para alimentar estratégias inovadoras e sustentáveis de desenvolvimento local e regional.

Seia tem de saber tirar partido disto mesmo, das novas medidas de valorização do interior, da necessária dinâmica a empreender e dos novos caminhos a seguir. Depois de um governo que apertou em demasia as autarquias, e quase as asfixiou, renasce a esperança e por isso é nosso desejo que a partir deste ano, em que se assinalam os 40 anos de Poder local, se abram novos rumos e novas frentes de desenvolvimento.

Mas que ninguém se iluda, este é um momento que exige de todos nós, Câmara, juntas, assembleias, empresas, coletividades, escolas, demais entidades e pessoas em geral, capacidade de dinamismo e criatividade, numa altura em que se ultrapassou a febre do betão, para dar lugar ao imaterial, à inteligência, à criatividade. Ou seja, a partir de agora é mesmo - mais miolo e menos tijolo.

O que se propões agora é uma nova abordagem de base local, mais colaborativa e mais próxima, que promova uma participação ativa e um envolvimento empenhado de autarquias locais, comunidades intermunicipais, associações, empresas e pessoas, na construção de um interior mais coeso, mais competitivo e mais sustentável.

Seia tem tudo para dar certo, arrumou as contas, consolidou obras, eventos e rumos, tem agora de dar azo a novas frentes, a novas ideias, projetos e ações, numa lógica de envolvência das populações. E além do mais, há confiança e esperança, condições essenciais para o desenvolvimento.


Seia é uma marca forte, com capacidade de atração de investimento e esse é o caminho, sem que ninguém deixe de fazer o que lhe compete. Todos temos uma missão a cumprir, sobretudo quem está na causa pública."

#seia 

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Nas asas de um sonho, Conto de Paulo Marques


O meu texto de apresentação do livro Nas asas de um sonho, de Paulo Marques:

 Na apresentação do livro, no Auditório da Casa da Cultura de Seia, com Susana Amaral, o autor Paulo Marques e Susana Freitas

Fez há pouco um ano, em setembro, que Paulo Marques apresentou o seu primeiro livro, O Sentimento de Viver a Emoção de Sentir. Uma obra em torno dos sentimentos e das emoções, numa perspetiva de potenciar o que há de bom em cada um de nós, num registo quase missionário de como ser feliz, explorando a natureza dos impulsos e das correntes primárias que brotam das pessoas, na sua singularidade.

Passado pouco mais de um ano, Paulo Marques, para quem escrever é uma paixão, presenteia-nos, à entrada da época natalícia, com um conto que nos leva para um mundo de magia e de fantasia, voando nas asas do sonho, explorando sentimentos e definições aprimoradas, indubitavelmente tão necessários.

Um livro singular, na linha de tantos contos contados, ancorado aqui no propósito de levar o leitor a sonhar, a imaginar e a refletir a partir do encontro de uma criança com a figura simbólica de embalar: o Dragão, esse doce gigante de histórias de encantar. Um pequeno conto, de tamanho grande, que vai ao fundo da leveza dos termos que animam, acompanham e impelem ao amor e a outros sentimentos de reputada significância.

Para mudar o mundo, costuma dizer-se, é preciso sonhar acordado, e aqui a inspiração vai nesse sentido, voando em pensamento, nas asas do vento, descodificando o que há para descodificar. Nesta viagem curta e ternurenta há uma forma de despertar sentimentos básicos, em diálogo corrido e breve. Uma conversa onde o autor coloca na voz de uma criança conceitos simples para os adultos lerem e melhor compreenderem.

Escrita simples, simbólica, fortemente moralista, respaldada em definições fáceis e descortináveis, mas fortes e fartas na imprescindibilidade dos termos, com foco maior no amor. A ponto de expressar que “o amor é o remédio para as doenças, só ele cura verdadeiramente” (p. 20). Ou a ponto de acrescentar que “as pessoas que mais magoam, são as que mais precisam de ajuda”, não deixando de aludir ao facto de “não termos o direito de julgar, cada um de nós dá o melhor de si” (p. 26). Do mesmo modo, quando a menina Matilde diz ao Dragão que a “maior prova de amor que alguém te pode dar, é regressar a ti, depois de ter ido embora”. Ou ainda quando diz que “é bom quando as coisas acabam, pois dá oportunidade para que outras novas aconteçam”. A mesma Matilde que, mais adiante, refere, na simplicidade de um olhar imaginário, que “a tristeza e as lágrimas servem também para libertar o que sentimos, (…)”, (p.31). 

Um conto para crianças que os adultos devem ler e interiorizar, como se percebe nas entrelinhas ser a intenção do autor, ou não se autodefinisse Paulo Marques como um facilitador. Por isso, e na linha do que o autor já nos vem habituando, esta é uma escrita de assuntos sérios, que ditada assim, redunda em compreensão alargada e facilitada. E alastrada em sentidos, reinscrevendo-se em lições e auto-retratos, que nos conferem responsabilidades morais acrescidas, levando-nos nas asas dos sonhos ao encontro do que somos, em direção ao bem, em contraponto ao mal. Porque há sempre lados opostos e “(…) há sempre hipótese de um desses lados ajudar o outro, ou seja, mostrar o amor”, como se lê na página 19.

O medo, sentimento negativo, muitas vezes infundado, é também aqui desconstruído na pessoa da pequena Matilde. A presença de um ser diferente, grande no tamanho, não lhe inspirou qualquer sentimento negativo pois, como ela diz “eu gosto de cada pessoa porque não há ninguém igual”. A frase e as que a antecedem alertam, na sua simplicidade, para o respeito do que é diferente e o facto de se ser diferente não é merecedor de medo. A amizade que une dois seres é possível na diferença entre os mesmos. E é o amor, entendido em sentido lato, que pode salvar o mundo, unir os opostos, ultrapassar a dor. A morte é aqui relativizada como algo que faz parte da vida e compreendê-la é também um sinal de amor pela libertação necessária. Nesta visão, assente na existência de tamanho sentimento, nada se torna impossível. Basta desejar, ter vontade de e acreditar. E amar é também libertar.
Assim, o autor vai decifrando sensações, rebuscando definições até deixar em nós um leve trago de curiosidade e um reflexo impulsivo de ir também através do vento, para fazer de nós mais felizes, entrecortando o real e o imaginário.

Há nesta escrita de Paulo Marques um questionar por dentro, numa história simples, de amor e de vida, despertando curiosidades, por entre frases e contextos narrativos, numa adesão a verbos e princípios, num quase universo de paz e de serenidade.

Quase como no Principezinho, de Saint-Exupéry, deambulando no profundo, simples mas complexo emaranhado de sentimentos, vemo-nos a interpretar códigos e a refletir assuntos de vida, neste caso com o amor à cabeça e bem no centro desse universo restrito e denso. História escorreita, respaldada na teia simbólica de códigos, aqui e ali desfeitos em apelos e desembaraços, reencontrando bastas vezes a chave do caminho certo. Mesmo quando a Matilde se despede do Dragão, rematando docemente que “Não é por ir embora que deixo de te amar” (p. 35).

Por aqui se vê que esta é mais do que uma história infanto-juvenil de “era uma vez”, uma vez que, através dela, podemos ler e sonhar e imaginar um encontro entre dois seres diferentes, que em pouco tempo criam laços e amor entre ambos. Uma história entre o real e o imaginário, para quase concluir que “só importa aquilo que somos e sentimos”.

Em jeito de síntese, este é um pequeno momento para sonhar, para viajar pelo mundo das emoções e dos mais nobres sentimentos, como que para celebrar o amor pela vida. Como que para espalhar a consciência dessa vida e desse amor alado, para quem acredita. Como quem acredita na sensibilidade e nos valores. Valter Hugo Mãe, no seu último livro Contos de cães e maus lobos, diz a dada altura que “as crianças entendem o que nós já deixámos de entender”, o que neste conto de Paulo Marques se aplica na perfeição, numa escrita onde se expressa a vontade de voltar a entender, o que redunda na forma de manter a capacidade de amar.

Enfim, introitos e motivos para nos prender à leitura, na emoção dos sentidos. E assim vamos, andando e lendo, nas asas de um sonho, como num conto de fadas!

Uma história curta, emotiva e sentida, enriquecida com as ilustrações de Ana Romão, que são um contributo valioso para tornar a obra ainda mais apelativa e enriquecedora. Ilustrações que nos facilitam ainda mais a entrar nesse universo criado por Paulo Marques, na mistura daquilo que pensamos, com aquilo que lemos e vemos ilustrado.

Ana Romão é ilustradora freelancer e vive na área de Lisboa, Portugal.
Possui Licenciatura em Artes Plásticas pela FBA Universidade do Porto, Mestrado em Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias pela FCSH Universidade Nova de Lisboa e Mestrado em Educação Artística.

A publicação é da Sana Editora, um projeto literário para a edição de livros e outras publicações para públicos diversos e diferentes géneros literários.


Mário Jorge Branquinho

Seia, 18 de dezembro 2016