quarta-feira, 11 de junho de 2014

Caraterização do concelho de Seia


Seia, simplesmente Seia *


Falar de Seia, por parte de quem aqui mora, por quem aqui vive, por quem a vive e a sente, pode significar um ato de tendência exagerada, ora apontando fragilidades, ora acentuando virtudes de sub-reptícias formas. Por isso, e neste contexto em que escrevemos, inclinamo-nos para um breve olhar cruzado, por entre uma realidade de um espaço comunitário, que mergulha nas suas raízes históricas, se afinca nas suas potencialidades e se abalança nos desafios que espreitam, época após época, de conjunturas diferentes, num mundo que é cada vez mais conturbado. Um olhar breve, numa espécie de curto guião, que não deixa de ser um convite a revisitar memórias deste concelho com futuro.

Posto isto assim, começamos na raiz e viajamos ao período pré-histórico, para dizer que a maioria dos historiadores considera que a presença humana neste território, remonta a 450 anos antes de Cristo. Pouco tempo depois, em 139 antes de Cristo, surge pelos chamados “Montes Hermínios” um bravo pastor Serrano, Viriato, que se diz ter nascido, entre outros lugares na Póvoa Velha. Fundada pelos Túrdulos, a Oppidum Sena, antiga cidade de Sena, pela sua posição geográfica constitui-se como um ponto estratégico na luta contra a invasão romana. Muito mais adiante, em 910 é tomada por Ordonho II, rei da Galiza e Leão, passando posteriormente para o domínio muçulmano, acabando por ser reconquistada por D. Fernando Magno, em 1055.

Percorrendo ainda factos históricos relevantes, ficamos a saber que no processo de reconquista cristã e arroteamento deste território, em 1132, D. Afonso Henriques encontrou Seia num estado de ruína e despovoamento, consequência das lutas consecutivas entre mouros e cristãos. Com efeito, procedeu à sua doação ao seu valido João Viegas, por reconhecimento de serviços prestados, e em 1136 concedeu o primeiro foral, onde a denominava de Civitatem Senam (Cidade de Seia).

Apesar de não haver nenhum documento que o comprove, pensa-se que em 1390 reuniram-se em seia os famosos Doze de Inglaterra, sendo alguns deles de Seia, Linhares, Gouveia, Melo, Celorico, Pinhel e Trancoso. Outra data histórica escreve-se em 1807, com as Invasões Francesas que vieram devastar Santa Comba, Pinhanços, Santa Eulália, Paranhos e Girabolhos, tendo incendiado em seia a Casa das Obras (atual Câmara Municipal), Igreja da Misericórdia e Matriz, deixando tudo em ruínas. Estes e muitos outros factos históricos relevantes constam de várias publicações e sobretudo na Monografia da cidade e concelho de Seia, de José Quelhas Bigotte (1992), até hoje o trabalho mais aprofundado da história do concelho de Seia.

Ressalva-se entretanto algumas publicações referentes a épocas históricas balizadas de relevante importância, como sejam “Seia uma terra de fronteiras nos séculos XII e XIII”, de Maria Helena da Cruz Coelho (1986), “”Seia na Idade das Trevas” de José Matoso (1986) “O Concelho de Seia em tempo de mudança” de Lúcia Moura (1997) e mais recentemente “O Marcelismo e o 25 de Abril vistos em dois jornais locais” de Luís Vieira Rente (2004) e “A Casa da Luz”, de João Orlindo Marques (2009).

No que se refere a monumentos, em Seia sobressai a capela de S. Pedro, com mais de mil anos e que é monumento nacional, de estilo românico com laivos mozárabes. Do vastíssimo espólio arquitetónico que encontramos pelo concelho, podemos ainda destacar a Capela do Santo Cristo do Calvário, em Seia, o Pelourinho do Casal de Travancinha, a Ponte Romana de Sandomil, a Anta do Carvalhal e de data mais recente a escultura de vulto feminino em bronze junto ao jazigo do Republicano Afonso Costa, no Cemitério de Seia.

Retomando a história de Seia no início do século XX, apraz registar uma atividade que seria marcante do ponto de vista económico até aos nossos dias e que é a construção do aproveitamento hidroelétrico da serra da Estrela.

Este facto transporta-nos para 1907, ano em que se iniciou a construção do primeiro aproveitamento hidroelétrico, dos quatro existentes sobre o Rio Alva, através da criação da Empresa Hidroelétrica da Serra da Estrela (EHSE). E é a partir da primeira central construída na Senhora do Desterro que em 23 de Dezembro de 1909 a energia chega a Seia pela primeira vez. A partir daí, a empresa liderada por Marques da Silva foi construindo um importante complexo hidroelétrico através da EHSE, que marcou a economia do concelho durante décadas e que viria a ser nacionalizada em 1975, integrando a EDP.

Posteriormente, na década de 60, há outro fenómeno que marca a economia e a vida social do concelho de Seia, com o surgimento da indústria têxtil. Impulsionada pelo empresário Joaquim Fernandes, o têxtil transformou-se em pouco tempo numa mono-indústria deste concelho, chegando a empregar perto de 4 mil trabalhadores em várias fábricas, mas sobretudo na Vodratex e Fisel, em redor das quais foram mesmo construídos bairros sociais. No início da década de noventa este setor viria a entrar em crise profunda, fruto da conjuntura económica da época, sendo hoje uma atividade residual.

Segundo os Censos de 2011, o Concelho de Seia tem 24 mil habitantes, tendo perdido cerca de 4 mil em relação ao ano 2001, em que registava 28 mil habitantes.

Até Outubro deste ano de 2013 o concelho era composto por 29 freguesias e mais de 100 localidades, mas com a reforma administrativa implementada, e com as agregações que foram impostas, passou a ter 21 freguesias.

Uma parte destas freguesias situa-se na zona montanhosa, correspondente às chamadas aldeias de montanha - Alvoco da Serra, Cabeça, Lapa dos Dinheiros, Loriga, Sabugueiro, Sazes da Beira, Teixeira, Valezim e Vide, que são caracterizadas por densidades populacionais muito baixas. Territórios com imensas belezas paisagísticas, que nos levam ao ponto mais alto, a quase dois mil metros de altitude e à descoberta de tesouros e magias escondidas por entre veredas.

Por esta via, o Turismo tem vindo a ocupar nas últimas décadas um relevante papel na economia local, quer pelos programas de animação organizados nestas aldeias, quer pela valorização do património cultural e paisagístico, quer pelo incremento de vários produtos associados à região.

O queijo da serra é uma das várias imagens de marca de Seia, fruto do incremento da pastorícia ao longo de décadas e também pela instalação de várias unidades de produção industrial que abastecem os vários mercados do país e alguns do circuito internacional. Mas para além do queijo da serra, sobressai o requeijão, o pão do Sabugueiro, os enchidos, os vinhos, o mel, vários licores e diversos outros produtos artesanais que os poderemos encontrar nas chamadas Feiras do Queijo, realizadas anualmente no sábado de Carnaval.

Chegados aqui, desembocamos no papel que a cultura tem desempenhado no quadro de desenvolvimento do concelho de Seia, fruto da ação do seu município. Uma estratégia que tem passado nos últimos trinta anos pela construção de um conjunto de equipamentos culturais e na realização de eventos considerados relevantes na agenda cultural do concelho.
O principal evento que mais se identifica com a cidade de Seia e os propósitos culturais e ambientais seguidos na governação local, é o CineEco – Festival Internacional de Cinema Ambiental, que se organiza em Outubro desde 1995 de forma ininterrupta. Trata-se do único festival de cinema ambiental que se realiza no nosso país e que constitui um cartaz internacional de grande projeção internacional e que traz à cidade muitas personalidades do mundo do cinema, do teatro, dos movimentos ambientalistas, etc.

Para além deste, podemos ainda identificar outros “eventos ancora” no calendário cultural do município, como sejam o Festival Jazz & Blues, O Festival de artes plásticas – ARTIS, as Jornadas Históricas, as festas da cidade, a Feira do Queijo, as Marchas Populares, e todo um conjunto de ações pontuais, do município e da comunidade, que compõem a programação dos vários espaços da cidade.

A rede de equipamentos culturais de Seia estrutura-se em três grandes domínios: equipamentos de exposição e consulta, equipamentos de espetáculo e equipamentos comunitários. Independentemente do tipo de equipamentos, verifica-se que escassas são as freguesias que não dispõem de nenhum equipamento, ainda que se verifique uma acentuada concentração nas freguesias de Seia e de São Romão. No âmbito desta rede, há 7 equipamentos que importa destacar, quer pela projeção concelhia promovida e subsequente atração de visitantes, quer pela centralidade que assumem na programação cultural concelhia.

A Casa Municipal da Cultura, situada no centro da cidade, é um equipamento polivalente, com um Cineteatro com capacidade para 345 pessoas, auditório para 150 pessoas, Galerias Municipais e Espaço Internet, a funcionar na sua plenitude desde 1995. Um equipamento dotado de recursos humanos próprios, e com uma programação diversificada, estruturada e de qualidade, com espetáculos de teatro, dança, concertos, exposições e sessões semanais de cinema, o que lhe confere o estatuto de verdadeiro “centro cultural do concelho de Seia”.

A Biblioteca Municipal, que entrou em funcionamento em 1993, situa-se em pleno centro histórico da cidade e apresenta atualmente uma vasta oferta cultural, destacando-se o espólio documental de livros e em formato audiovisual. Através desta estrutura, tem-se assistido a organização de feiras de livro, sessões de contos, concursos literários e outras atividades de promoção da leitura.

O Arquivo Municipal, que foi criado em 1994, tem como finalidade central a preservação, inventariação e estudo dos documentos de interesse municipal, disponibilizando um espólio arquivístico informatizado. O Arquivo organiza anualmente em Novembro, as chamadas Jornadas Históricas do Concelho e proporciona visitas guiadas pelo centro histórico e organiza esporadicamente exposições na Casa da Cultura.

O Museu do Brinquedo, instalado no antigo solar de Santa Rita, é um equipamento museológico que reúne uma vasta coletânea de brinquedos portugueses e internacionais, de diferentes épocas. Inaugurado em 2002, tem exposições temporárias e itinerantes alusivas a temáticas diversificadas.

O Museu Natural da Eletricidade, que foi inaugurado pelo Município de Seia no dia 11 de Abril de 2011, é um espaço museológico que nasce a partir da centenária Central da Senhora do Desterro, e que pretende divulgar o património tecnológico, natural, social e cultural que lhe está associado.

A Ludoteca Municipal, que foi criada em 1994 está instalada na antiga casa dos Magistrados, constituindo um espaço destinado a crianças com idades compreendidas entre os 4 e os 16 anos, e que desenvolve uma atividade muito meritória.

O Centro de Interpretação da Serra da Estrela (CISE) é uma estrutura do Município de Seia, criada em 2000, vocacionada para a promoção do conhecimento e divulgação do património ambiental da serra da Estrela. Sedeado numa quinta no centro de Seia, o CISE apresenta um conjunto de espaços e equipamentos multivalente que o convertem num local modelar para o desenvolvimento de atividades de educação e divulgação ambiental, promoção turística e investigação e um ponto privilegiado para partir à descoberta da serra da Estrela.

Por último, uma referência ao espaço Museológico da Misericórdia com um vasto e rico espólio de arte sacra, o Museu Etnográfico do Rancho Folclórico de Seia, bem como ao Museu do Pão. Este último é uma unidade privada, criada em Setembro de 2002 e que constitui uma das principais atratividades de Seia e da Serra da Estrela.

Nesta descrição sumária, cabe também uma referência à existência de mais de 100 coletividades, de natureza eminentemente cultural. Estas agrupam-se em três grandes tipologias: bandas filarmónicas (7), ranchos folclóricos 5 (dos quais 3 são federados), grupos de cantares (3) e orfeões (2), sendo considerados parceiros importantes na preservação e valorização da património etnográfico concelhio.

As associações registam uma repartição territorial diferenciada em função da sua natureza, enquanto que, as de base cultural e recreativa têm um padrão locativo marcado pela dispersão, as de base cultural e desportiva caraterizam-se por uma acentuada concentração na sede de concelho e freguesias circundantes, não obstante, destas últimas serem quantitativamente mais numerosas.

Podemos ainda referenciar neste capítulo, a existência de 3 corporações de Bombeiros – Seia, São Romão e Loriga - e mais de 3 dezenas de Instituições de Solidariedade Social (IPSS), um setor com um peso significativo na economia local e que desenvolve um conjunto de atividades e valências consideradas relevantes.

Na área da Saúde, Seia possui um moderno Hospital com várias valências e consultas de especialidade em funcionamento, além do Centro de Saúde de Seia e São Romão e outras unidades ainda em funcionamento nalgumas freguesias. Possui ainda uma unidade de Cuidados Continuados da Misericórdia, a funcionar desde 2011, que é uma unidade de referência a nível nacional.

Todavia, são as escolas os grandes motores de desenvolvimento deste concelho, destacando-se atualmente a Escola Superior de Turismo e Hotelaria (IPG), a Escola Profissional da Serra da Estrela, Conservatório de Música de Seia, os dois agrupamentos de Seia e a Escola Evaristo Nogueira, de São Romão.

De toda a abordagem feita até aqui, importará talvez destacar ainda a situação geográfica de Seia, como cidade do interior do país, que vive desse isolamento, do drama de estar fora dos grandes eixos rodoviários e de ter de redobrar esforços para estancar o fenómeno do despovoamento. Um fenómeno que vem sendo contrariado pela aposta no setor turístico, aproveitando a imponência da serra e suas paisagens, através de atividades de hotelaria e restauração, bem como de produção de produtos locais. Umas vezes com maior expressão e afinco, outras mais tenuemente, o certo é que, como se constata, ao longo da sua história, os seus habitantes sempre souberam ultrapassar dificuldades e nesta fase critica, de conjuntura altamente desfavorável, saberá responder aos desafios.
Porque Seia tem futuro!

Mário Jorge Branquinho

* texto publicado no livro: Momentos de Cultura com Orfeão de Seia, de Fernando Beco