segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

“O Concelho de Seia em tempo de mudança – Dos finais do século XIX ao dealbar da 1ª República”, de Lúcia Moura

LIVROS DE SEIA
“O Concelho de Seia em tempo de mudança – Dos finais do século XIX ao dealbar da 1ª República”, de Maria Lúcia Brito Moura, (1997); edição Escola Secundária de Seia e Câmara Municipal de Seia.


Ao longo das páginas (280) a autora começa por dar conta dos vários sectores da sociedade que marcaram aquela época no concelho – a agricultura e pastorícia, a industria e a electricidade, conjugando-se aqui um vértice de potencialidades que ainda hoje persistem: o queijo, os lanifícios e a electricidade, cuja central da Senhora do Desterro foi construída em 1900 e que agora se destina a museu da electricidade.
A historiadora dá-nos também conta dos movimentos políticos de então e suas implicações na vida das pessoas e das instituições. Da realidade da Escola enquanto oficina de cidadãos – a escola primária na transição da monarquia para a república ; o ensino particular em Seia; a escola comercial e industrial de Seia, o ensino agrícola e os professores.
A higiene é vista como um dos pilares da nova sociedade – construções de fontanários; a preocupação dos lixos na via pública; a luta contra os ratos; as autoridades e as doenças; o prestigio dos médicos; o Hospital, etc.
Mais adiante há um capítulo dedicado a fenómenos de solidariedades, convivialidades e conflitualidades, evidenciando-se o religioso como factor de sociabilidade; os centros de sociabilidade popular; os clubes burgueses; os centros políticos; a Maçonaria e as associações diversas, incluindo a imprensa no concelho.
O ultimo capítulo refere-se às festas realizadas no concelho.
Para se perceber o enquadramento, permito-me transcrever a conclusão do próprio livro elaborada pela autora:


“neste percurso sobre três décadas da história do concelho facilmente nos percebemos de que o quotidiano das populações, em especial nas freguesias mais importantes, foi abalado por mudanças que se sucediam a um ritmo desconhecido até então. Pelas novas estradas, por onde transitavam veículos mais rápidos, circulavam mais rápido os homens e as ideias. As freguesias principais sacudiam milénios de hábitos rurais, adquirindo um rosto mais de acordo com a modernidade: ruas calcetadas, alargadas pela destruição dos tradicionais balcões, animais afastados da via pública, noites mais claras, iluminadas pela electricidade. Nestas preocupações urbanísticas distinguiu-se – e não podia ser de outro modo – a sede do concelho de onde desapareceu o casario apertado entre a Praça da República e o Largo da Misericórdia, dando origem a um espaço mais desafogado, mais consentâneo com os ideais citadinos das suas elites; casas de burgueses foram sendo construídas em novas ruas, com destaque para a nova Avenida Afonso Costa, nome dado em pleno vendaval revolucionário, numa homenagem ao senense ilustre de quem os conterrâneos se orgulhavam. A família até aí mais respeitada de Seia partiu, deixando disponível o seu lar que veio a tornar-se – quase poderíamos dizer simbolicamente – no centro cívico do concelho, na sua Câmara Municipal.
Estas são alterações visíveis. E, contudo, podemos considere-las superficiais. Mais importantes, embora passando, para alguns, despercebidas, eram as que se iam produzindo nas consciências dos indivíduos, levando-os a por em causa verdades até aí incontestáveis.
Este germinar de novas ideias está vinculado aos ferozes combatentes de natureza politico-ideológica que marcaram a época. A importância que tiveram no forjar de uma nova sociedade justifica o relevo que, neste estudo, foi concedido à luta pelo poder dentro do concelho. É evidente que estas competições envolveram de um modo especial as classes médias. É certo que a republicanização dos indivíduos pertencentes a este grupo, onde se encontravam as autoridades concelhias, não obstante se ter processado seguindo a via considerada mais radical – a do democratismo afonsista – assumiu em Seia uma feição conservadora, numa verdadeira subversão dos conceitos de direita e esquerda. Daqui resultou que as relações com a igreja não conheceram o carácter violento assumido em outras regiões, apesar de alguns casos isolados que poderiam levar a pensar o contrário.
(…)
Ao período de exaltação revolucionária sucedeu uma conjuntura adversa, com preços altos geradores de fomes, epidemias e guerra. Mas, na miragem das promessas, os pobres tinham julgado entrever um novo mundo e já não estavam dispostos a permanecer silenciosos. Um tanto descrentes em paraísos prometidos por uma igreja que ia perdendo influência, muitos voltavam-se para outros profetas que apresentavam soluções mais extremistas. As ideias socialistas eram acalentadas em alguns círculos. O movimento operário chegava ao concelho, nomeadamente a São Romão e Loriga.
Após a guerra, a desordem lisboeta amedrontava os pacíficos burgueses que, desiludidos, esqueciam doutrinas que se referiam a humanidades abstractas, procurando, nas tradições, reforçar as raízes que os prendiam à terra. É o tempo dos regionalismos. O grito anunciador – embora nem todos o entendessem assim – da grande viragem, em Maio de 1926, foi ouvido com algum alívio. Representava a vitória da província sobre a capital.
Contudo, mesmo com as ilusões desfeitas, a ideia de República, de tão apregoada, de tão aclamada, resistia a todas as tempestades. Os indivíduos das elites, na sua maioria, continuavam a fazer profissão de fé republicana.”

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