quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Do que falamos, quando escrevemos no verão

No verão, por natureza, escreve-se, quem escreve, sobre assuntos chamados leves, para descontrair, para nos entretermos uns aos outros nos momentos de lazer, enquanto não acaba a época a que se convencionou chamar de “tempo de férias”. Os mais finos chamam-lhe “Silly season”!
Por isso e também por não valer a pena pensar muito sério sobre os maus presságios da vida que passam todos os dias nas televisões, que vemos cada vez menos, ou nos jornais que praticamente deixámos de comprar, vamos discorrendo na descontração dos dias e dos temas que espreitam à esquina de qualquer texto.
Isso não nos impede de pensar no muito que temos de fazer, mal passe este interregno estival. Naturalmente que, do ponto de vista pessoal, cada um sabe de si, das tarefas que tem de empreender, das atitudes a tomar e das múltiplas formas de dar a volta à adversidade. Mantendo o emprego quando é o caso, ou partindo para outra, quando já nem o emprego resta. E partir para outra, começa a ser cada vez mais sinónimo de partir para outro país, em busca da salvação. Mas pronto, é a vida, cada vez mais dura a trazer à memória os difíceis anos 60, para não falar de outras épocas em que o português se virou e foi à luta.
Fora a questão pessoal, há o lado coletivo, em que também somos obrigados a pensar, pelo menos aqueles que ainda vão ficando neste território cada vez menos exíguo, cada vez mais folgado de espaço e cada vez menos frequentado.
Neste sentido, importa pensarmos seriamente sobre o que aí vem e o muito que temos a reivindicar, para não termos de ficar ainda mais tesos e mais desolados nesta geringonça de vida a que atribuímos cada vez menos valor. Já se sabe, já se disse, já se escreveu, já se leu, já se ouviu e até já quase se abomina essa lenga-lenga de que temos de ser críticos, interventivos e assumidamente agentes de desenvolvimento na nossa comunidade, como em qualquer outra plataforma donde somos parte integrante. E isto, mesmo dito e sabido à exaustão, continua a ser tão importante como o pão para a boca, para que não se instale o marasmo e não reine a apatia e o “deixar-andar”, como parece que está a acontecer um pouco por todo o lado.
Sabe-se que não há dinheiro para nada, mas tem de haver inteligência e dinâmica suficiente para nos animarmos uns aos outros, pelo menos, e procurarmos ir pelo entusiasmo da corrente, de modo a fazer brotar mais do que aquilo que temos visto. Nos tempos mais difíceis e duros, sobra-nos muito mais espaço para sermos ainda mais criativos e repensar tudo o que andámos e andamos a fazer e para onde queremos ir. Podemos até pensar em entregar tudo ao poder central, ou àqueles supra-sumos e “chicos-espertos” desta ditosa pátria que têm sempre remédio para tudo quando estão de um lado, mas que depressa se abotoam e perdem a noção do que proclamaram, quando passam para o outro lado. Mas aí já se sabe qual o caminho e o destino.
Fora isso, há que exigir a quem tem poder e o dever de fazer. Seja a nível local, regional ou nacional, tem que haver pressão constante, sob pena de se adormecer ou se embalar num discurso ou numa ideia errada de que se está a fazer tudo o que é possível, quando há muito para ouvir e para fazer.
Sempre se ouviu dizer, não é de agora – político que se amedronta com as críticas não presta.  Saber ouvir é uma virtude e por isso importa falar e ouvir, democraticamente. E nesse sentido, alguém vai ter que as ouvir sobre o que estão a fazer ao nosso país e em particular ao nosso Interior, onde tudo definha cada vez mais depressa a um ritmo alucinante.
Mas disso vamos falando porque essa é a nossa luta!

1 comentário:

A. Madeira disse...

Diz a história que o «Grupo Outubro» foi um dos melhores grupos de música de intervenção no período que se seguiu ao 25 de Abril. Era formado por Carlos Alberto Moniz e a sua mulher, Maria do Amparo (na foto do filme com Lúcia Moniz ao colo), por Pedro Osório, Madalena Leal e Alfredo Vieira de Sousa. Lançaram dois discos, «A Cantar também a gente se entende» (1976) e «Cantigas de ao pé da porta» (1977).
É do primeiro álbum a canção que hoje vos trazemos, «A luta vai ser dura companheiro». No blogue «Cantigueiro», de Samuel, um comentador anónimo descreve assim o momento em que esta música foi cantada em 1976: «Então, aqui vai uma opinião insuspeita: o Grupo “Outubro” protagonizou o que de melhor se fez na música de intervenção em Portugal.
Só um Grande grupo conseguia (eu estava lá, eu vivi-o), pouco tempo depois do 25 de Novembro, levar um Pavilhão dos Desportos (hoje Pavilhão Carlos Lopes) apinhado de gente, às lágrimas, com uma canção cujo título não recordo (seria a luta vai ser dura companheiro?), mas que no refrão dizia “por cada voz calada, mil vozes vão romper, gritando a força deste povo, que não se vai render”.
E de repente, um pavilhão inteiro, de lágrima ao canto do olho, soltou-se num grito de determinação e força, tão longo e tão intenso que, 35 anos depois, ainda o consigo descrever ao pormenor.
Um abraço ao Samuel e à Maria do Amparo, porque a história, também é isto.»

Letra completa:

A luta vai ser dura camarada
Mas nada se conquista sem canseira
Com o sangue vertido na jornada
Faremos palmo a palmo a sementeira

Por cada voz calada
Mil vozes vão nascer gritando a força deste povo
Que não se vai render

A luta vai ser longa companheiro
Mas quem sabe esperar não desespera
Teremos de lutar de corpo inteiro
Pois temos o futuro à nossa espera

A luta vai ser longa camarada
Mas cada passo em frente é mais um passo
Havemos de vencer a caminhada
Que o povo não se vence pelo cansaço

Por cada voz calada
Mil vozes vão nascer gritando a força deste povo
Que não se vai render

A luta vai ser dura companheiro
Mas nada mudará o rumo à história
Lutando pela paz no mundo inteiro
Nós temos a certeza da vitória

Por cada voz calada
Mil vozes vão nascer gritando a força deste povo
Que não se vai render

Fonte:http://aventar.eu/2010/04/12/sons-de-abril-grupo-outubro-a-luta-vai-ser-dura-companheiro/

Dr. Mário J. Branquinho,
e que tal, falar da boa música de intervenção feita no Portugal de Abril?
Não me canso de ouvir esta e outras, seja do Zeca, do Adriano, Manel Freire, Sérgio Godinho, Zé Mário Branco, Fausto e tantos mais.
É sempre bom recordá-los... se o não fizermos, as gerações nascidas depois de Abril não os conhecem.

A. Madeira