Ontem à noite estive numa sessão de fados que decorreu na Escola EB 2,3 Tourais / Paranhos e vim de lá duplamente satisfeito. Por um lado pela iniciativa da escola, aberta à comunidade e por outro porque houve uma professora que me falou de um texto do meu livro “O mundos dos apartes”. Já mal me lembrava do referido texto (Maio 2002) e hoje fui (re) lê-lo:
Janela aberta ao mundo
A Casa onde se mora é sempre um cantinho do mundo onde se passa o melhor e o pior da vida. Onde se dão os bons e os maus momentos. Ali se constróem sonhos, alicerçados nas forças disponíveis de cada ocasião. Sonhos lindos, feitos do melhor espírito de cada hora e embrulhados no melhor papel que a magia de cada instante disponibiliza. Em tempos bons, os sonhos serão porventura enormes e em tempos maus, provavelmente não haverá lugar para mais nada a não ser simples sensações e sentimentos normalmente frágeis e no limiar da permissibilidade permitida por cada génio.
Cada qual é como cada um, mas na casa, nesse pedaço de lar, é sempre igual a vontade do conforto que se quer, em confronto com a quietude dos gestos e das palavras.
Da janela de qualquer quarto, ressalta normalmente a vontade de olhar em frente, sem retrovisor e descobrir horizontes, através da vidraça escancarada com a morna brisa a passar.
Da janela de qualquer quarto vê-se o mundo. No entanto, foram tantos os escritores a ver tanto mundo, nas voltas que os mesmos dão, que não caberá aqui tamanha descrição. De uma janela, como de qualquer outro miradouro, vêem-se os mundos que se querem, assim como os gestos, as cores e tudo o mais que gira à volta num perfeito movimento e em cada momento. Vêem-se até conversas, que depois de traduzidas poderão ser escutadas por quem de direito, em sentido contrário ou certo e sem erros e omissões. Por todas as razões.
Conversas que se vêem, gestos que se escutam. Será bonito ver como falam homens e mulheres tão diferentes entre si. Ver falar uma peixeira, de salpicos na boca, sem escamas na manga e a dar à dita língua as horas que for preciso. No mar do falatório, acabará por cair na rede todo o peixe que calhar, nos altos e baixos da ondulação consentida.
Que bonito é ver uma peixeira a falar da janela de qualquer quarto! E um padre?! Queridos irmãos, um padre é um padre e quando dá em conversa com um seu paroquiano em plena praça pública, nunca vai além de uns conselhos ditados pelas mãos de santidade, normalmente pousadas na barriga de abade. No perdão resultante e visível da janela do quarto, vê-se o sermão a brotar da esperteza sacerdotal.
Mas se peixeira e padre têm conversas vistosas, ainda que contraditórias, não ficará atrás o padeiro, que não fica a ver navios nem tão pouco deixa de vender o seu peixe com o pão que tem. Da fina conversa que a farinha dita, desdiz o dito homem do pão, que só amassou conversa porque o trigo baixou e a fome se juntou com a vontade de comer. Por isso quem come desta conversa nunca mais terá fome e deste pão que agora se reparte haverá a multiplicação suficiente para ver como é milagrosa a forma de trocar palavras e fazer resultar numa grande complicação que faz franzir o sobrolho a qualquer leitor atento e ... católico.
Seja como for, na casa, na nossa casa, está-se bem, porque além de outros confortos, vêem-se de lá complicadas lidas e sentem-se diversas cenas, permitindo-nos entrar em inebriantes viagens a maravilhosos mundos de profundos apartes e de elevados significados ao ego erguido das pessoas. E quanto mais alta for a janela da casa onde se mora, maior será o horizonte do desfrute.
Experimente desfrutar. Vai ver que vê!...
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