Uma espécia de criativa
Porque espreitam no horizonte nuvens negras que não anunciam nada de bom na natureza humana, não nos espanta nada que suba em nós, por nós adentro, essa nódoa de angústia que nada de bom anota. Anuímos assim, quase que exangues, a uma partida para parte incerta, sem que ao certo nos seja dada garantia de volta, pelo menos ao gosto de partilhar e olhar a simplicidade daquilo a que chamávamos ingenuamente “o fulgor dos dias felizes”.
Trocámos assim, sem querer e sem querermos admitir, esse olhar de festa e de fanfarronice dos dias, por um olhar langue e assaz perdido, para depois, desauridos e confusos, seguirmos em debilitadas conversas, em extenuadas formulas e em cânticos moles e frouxos, rumando em debandadas incertas por certos passos perdidos.
De olhar langue, perscrutamos sentimentos que já não sentimos, vontades que também não sentimos e impulsos que igualmente já nem ousamos forçar, na vã esperança de que algo aconteça. Na putativa ideia de que volte depressa e bem, uma nova ordem que ponha ordem nos nossos sentidos e nos dê novo rumo, em direção ao que outrora, de tão pouco, nos fazia feliz.
Passam os anos, passam os amigos, passam os conceitos, passa a vida, passa tudo e por muito que nos custe, até o tempo passa a ferro as nossas emoções, sem que nos perguntem nada. E tudo passa, e tudo muda e nada é como era dantes. Nos livros que lemos, nos textos que escrevemos, em tudo que nos referenciava, há agora novas formulas que a contemporaneidade teima em tragar, atirando-nos à monstruosidade desse paradoxo de ilusões em que vivemos.
De olhar langue, seguimos o filme que vivemos, onde figurámos e onde desempenhámos um papel de vida fácil e de horizontes largos. De olhar assim, extenuado e abatido, ainda esboçamos o desejo de recuar aos novos tempos, de bar aberto, onde tudo era uma festa e nos servíamos, do melhor que excessivamente havia, entre sentimentos e trejeitos de grande volúpia. Dessa permanente embriaguez, ancorada na abundância de um presente irresponsável que não cuidava de olhar mais longe. Que não esperava que isto chegasse ao que chegou.
De olhar assim, frouxo e mole, ainda acreditamos que é possível voltar atrás e fazer o que não foi feito, voando nas asas do real e fazer tudo com pés e cabeça, para não chegarmos aonde chegámos. Tentamos, não é? Nesta altura, é o que invariavelmente se pode fazer, tentar, como que a forçar a fé e a fúria que brotam nesta bruma de vitupérios. Mas mesmo assim, de olhar langue, seguindo nos passos meio perdidos, desse caminho que não sabemos seguir, ainda assumamos uma réstia de esperança capaz de nos fazer voltar a ser mais alegres.
Pode ser que sim, porque isto já não é o que era! As notícias são sempre más notícias e a dimensão das tragédias é invariavelmente colossal. Como colossal, enigmática e estranha é a situação a que chegamos, quando agora poupamos tanto, quando até achamos que a cultura fica cara, quando não avaliamos o custo da ignorância e quando até já a ciência concluiu que a fofoquice faz bem à saúde!
No meio de tudo isto, nem sabemos se rimos, se choramos e assim vamos, assim esboçamos um olhar langue, elevado aos céus perdido, à espera que chova!
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Mário Jorge Branquinho
Seia, 17 de Março de 2012
1 comentário:
extremamente comtemporaneo, a expressar alguns sentimentos da realidade atual...belo texto, gostei...parabens Mario.
eugenio
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