Antes de mais, quero dizer
que é uma honra para mim ter sido convidado pela família do Prof. António da
Silva Brito para apresentar o livro escrito pelo mesmo. Uma honra e um enorme
desafio, esperando poder estar à altura da qualidade da obra apresentada, do
prestígio de quem a escreveu e do convite formulado.

Foi em meados dos anos
oitenta que eu me cruzei com Silva Brito, era eu um jovem agente e animador
cultural a dar os primeiros passos, sobretudo no associativismo juvenil. Foi,
de resto, o movimento associativo que nos juntou num projeto comum: a criação
da Inter-associações do concelho de Seia, eu na qualidade de Presidente da
Associação Recreativa e Cultural do Sabugueiro e Silva Brito enquanto
Presidente do Centro Juvenil de Vila Cova. Uma estrutura que agrupava perto de
100 coletividades do concelho e que procurava elaborar projetos comuns, numa
perspetiva de desenvolvimento cultural inclusivo e abrangente. Uma estrutura
que coordenou actividades, lançou projetos e ideias novas, estimulou o
associativismo e criou campo fértil para a melhoria no desempenho dos vários
dirigentes associativos do concelho de Seia.
Mais tarde, encontrámo-nos
noutros projetos, incluindo os jornalísticos, quando Silva Brito foi diretor do
jornal Porta da Estrela e eu um modesto colaborador.
Entretanto, em 1996,
convido-o para escrever o prefácio do meu primeiro livro, Sentido Figurado, o que muito me honrou, um livro cuja capa foi
concebida por Sérgio Reis. Uma honra redobrada anos mais tarde quando, em março
de 2015, Silva Brito aceita fazer a apresentação do meu terceiro livro, Estranhos Dias à Janela. E quanto
empenho Silva Brito colocou na análise desta obra!
E assim nos fomos cruzando e
partilhando ideias, na doce descrição de um intelectual que este ano o concelho
de Seia perdeu.
Agora cheguei aqui e espero estar
à altura de lhe retribuir expressando algumas palavras acerca uma obra riquíssima,
cuja leitura se recomenda e, quem sabe, um dia servir de mote para espetáculos
de teatro comunitário ou para reflexão sobre vários aspetos de desenvolvimento
local.
Um livro que dignifica quem
o escreveu, ainda que publicado após o seu desaparecimento do mundo dos vivos, que
o autor dedicou à sua família “para que a ligação às raízes nunca se extinga”.
Um livro que nos apaixona na
leitura, prendendo-nos às histórias contadas, numa longa viagem de séculos,
devidamente enquadradas nos contextos históricos e respaldadas no empenho,
engenho e arte do escritor, aqui feito historiador.
Uma monografia de Vila Cova
de Seia cujo exemplo pode muito bem ser seguido por outras personalidades, para
enriquecimento do património cultural do nosso concelho. Neste sentido, este
livro expressa o seu contributo.
Na leitura desta obra dei
por mim a decifrar os códigos descritos por Silva Brito e a viajar na história.
Partimos assim numa expedição onde Silva Brito nos descreve vivências com
muitos séculos, ou melhor, uma sucessão de histórias multisseculares sobre Vila
Cova de Seia.
Silva Brito convoca-nos para
essa tal viagem de memórias que começa nos primórdios da nacionalidade até aos
nossos dias. Viagem com marcas nos campos, nas casas, nos monumentos, nas
praças, nas ruas, onde ainda hoje nos reencontramos com a história do lugar. “Histórias
de vida, esforço e ambição, de milhares de pessoas anónimas, de todas as
condições, que deixaram, cada um a seu modo, uma pedrinha, mais ou menos
decisiva na construção da nossa casa comum”, como se pode ler na lombada do
livro.
Silva Brito começa por ir às
raízes, aos primórdios de Vila Cova, por trilhos e anotados caminhos, buscando,
nos arquivos e nas obras publicadas, em aturado estudo e paciente dedicação, respostas
a perguntas para trazer à luz deste século XXI um estudo importante sobre esta
localidade situada nas margens do rio Alva.
Uma monografia
cientificamente irrepreensível, uma obra que dignifica um povo, enfim, um
aturado trabalho histórico para os vindouros, a partir deste presente
emergente.
Contudo, o escritor, aqui na
pele de historiador, interroga-se várias vezes na decifração de fenómenos, começando
precisamente nos vestígios que apontam para a ocupação do local na época romana,
no sítio das Cabeças. Quem sabe assim se esta obra poderá incentivar novos
estudos sobre a ocupação romana do nosso território, como aliás sugere o autor:
“quando se fala de ponte romana de Vila Cova, esta convição precisa de ser
suportada em estudos adequados. O que sabemos - acrescenta - é que é pelo menos
medieval, dos séculos XII e XIII. E como sustenta o mesmo “devia ser
classificada de imóvel de interesse público e vedada a trânsito pesado”.
Como refere o autor, Vila
Cova constituiu-se como um agregado populacional de pequena dimensão, por volta
dos séculos X e XI. Vila Cova era um núcleo de agricultores que aqui se
estabeleceu, que ganhou estrutura e identidade próprias com o passar dos
tempos. Era uma villa como tantas
outras, com gente que labutava nos campos. Há um ano de referência,1138, numa
carta do príncipe Afonso, onde é feita a primeira alusão ao topónimo Vila Cova,
o que não quer dizer que não tenha sido habitada antes.
A palavra villa vem do Latim quinta, terreno de exploração.
Daí, ainda hoje, os lugares “cimo da vila” e “fundo da vila”. E a palavra Cova com o sentido de concavidade ou depressão
tem a sua razão de ser na orografia do local.
No século XVI, surge uma referência
a Vila Cova à Coelheira, tendo-se registado a partir daí alguma confusão com um
nome idêntico ou igual relativo a outra Vila Cova à Coelheira. Por isso, Silva
Brito recomenda na sua obra aos órgãos autárquicos que se ocupem desta questão
toponímica. Há mesmo um documento importante, que remonta às Inquirições Gerais
de 1258, que comprovam a toponímia de Vila Cova.
E nessa viagem rápida que
vos trago em jeito de síntese, através da leitura apaixonada do livro de Silva
Brito, apresso-me a dizer que, de 1496 a 1527, a população aqui cresceu 91%! Em
1585, terá passado para o domínio dos Marqueses de Gouveia.
Trazendo algumas novidades
do livro à luz destes dias, em termos de património religioso, sublinho o facto
do templo de Vila Cova ter sido edificado no século XIII. A Igreja encontraria
local definitivo onde é hoje o cemitério, aí se mantendo até alvores do século
XX. E claro, o orago, é, desde sempre, São Mamede. Da igreja primitiva sobrou a
atual capela do cemitério, a que corresponderá uma parte do primitivo templo.
Já a capela do Santíssimo
Sacramento remonta ao século XVI.
Ainda outro templo da
Freguesia, que atesta a profunda religiosidade da população, foi, durante
séculos, a capela de São Pedro, existente no local onde desde o início do
século XX está implantada a atual igreja.
Da instituição paroquial de
Vila Cova pouco se sabe até ao século XVII. Foi um longo percurso até passar a
ser paróquia de facto e a ter o seu próprio cura, que era indicado pelo vigário
de Santa Maria de Seia. Desde os alvores da nacionalidade até 1882, Vila Cova
pertenceu à Diocese de Coimbra, passando, neste ano, para a Diocese da Guarda. Desde
os alvores do século XIII pertenceu ao Mosteiro de Santa Cruz.
No lugar da Praça existiu um
Pelourinho, onde teriam também existido a Cadeia do concelho e a Câmara, até
finais do século XIX, princípio do século XX. Hoje, há uma peça que comprova tal
existência à entrada da sala da Junta de Freguesia. Em 1974, a Junta mandou
construir um Pelourinho, mas este tem pouco a ver com o antigo.
Entretanto, refere Silva Brito,
a antiga casa da Câmara e a Cadeia foram adquiridas pela D. Ana Clementina. Esta
alienação e posterior reconstrução fizeram perder mais um símbolo da velha
autonomia da vila.
Da leitura da obra, uma outra
referência se impõe e que tem a ver com as visitas pastorais, nos séculos XVII,
XVIII e XIX (1612 – 1830), porque “assim os bispos vigiavam o estado de
conservação das igrejas e controlavam o seu património.
Continuando a viagem
histórica multissecular de Silva Brito, Vila Cova foi reconhecida como
estrutura municipal enquanto freguesia e concelho rural autónomos desde o
século XIII, até precisamente ao ano de 1836, altura em que passou a pertencer
ao concelho de Sandomil, até 1855. Dezanove anos, portanto, passando
posteriormente a integrar o Concelho de Seia. Ou seja, terá sido concelho desde
o século XIII até à primeira metade do século XIX. E assim, ao longo dos
tempos, Vila Cova contou com um ou dois Juízes, Vereadores e um Procurador,
além de outros magistrados.
Deliciosa é também a
descrição de como eram eleitos os vereadores, mas isso, deixo para lerem a
partir da página 209!
Nas mudanças
administrativas, cabe o destaque para a Junta da Paróquia de Vila Cova,
antepassadas das Juntas de Freguesia, criadas em 1830, com um Regedor, um
Secretário e um Tesoureiro, para gerir os bens da Paróquia. Posteriormente, passou
a ser composta por um Presidente, que era o pároco, um Secretário e dois
membros eleitos, já que, com o fim da Câmara, esta responsabilidade passou para
este órgão.
Nas delícias bem contadas,
aprimoradas e contextualizadas nas épocas por que o nosso país passava, ficamos
também a saber como foi construída, em 1815, a Levada Pública, assim como nos
retemos nas recambolescas histórias do conflito com a Empresa HidroEletrica da
Serra da Estrela, por causa da utilização das águas do rio Alva. Estávamos em
1934, ano em que se negoceiam as contrapartidas e é salvaguardada a questão do
caudal para a rega das propriedades. Decorrem negociações com advogados,
engenheiros, a empresa, o povo e a Junta de Freguesia. E até o Governador Civil
da Guarda, Borges Pires, se dispõe a mediar o conflito, mas sem efeito. Chega a
ir de Vila Cova uma delegação ao Ministério das Obras Públicas a Lisboa. Avançam
as obras, continua a controvérsia e há, inclusivamente, registo de uma carta
enviada a Salazar dando conta do desagrado. Em 1938, continuam as obras e
continua a faltar a água nos campos. Surgem, entretanto, levantamentos
populares e expressões como “Bota a baixo que a água é nossa”.
A luta valeu a pena e a
Levada Pública sobreviveu.
A Central de Vila Cova tinha
sido inaugurada em Janeiro de 1937 e a inauguração da Luz nesta terra ocorreu
em 17 de janeiro de 1938, ou seja, um ano depois da entrada em funcionamento da
Central.
No livro de Silva Brito
também se refere a atividade mineira, das areias do rio Alva que teriam ouro e
da extração de Volfrâmio e de Estanho, por alturas da Segunda Guerra Mundial.
Era tempo de guerra, havia muita pobreza e privação. A mina do Volfrâmio
localizava-se no sítio dos Vales.
Entretanto, um à parte, para
dizer que em 1951 foi inaugurada a Casa do Povo, onde funcionavam vários
serviços e, na parede exterior da mesma, chegaram a ser exibidos filmes ao ar
livre!
E assim, nesta viagem que
vos trago muito resumidamente, chegamos ao quadro dos lanificios, uma atividade
artesanal que cedo evoluiu para uma produção industrial e que marcou uma época
na história de Vila Cova. No século XIX e início do século XX, havia em Vila
Cova tecedeiras e tecelões que disso faziam atividade habitual. No início do
século XX, instalou-se uma unidade industrial têxtil, pertencente a Joaquim
Silva Abranches. Por essa altura, M. Amaral Marques fundou a Fábrica do rio
Alva. Em 1937, esta unidade empregava 40 pessoas. Nas primeiras décadas do
século XX, forma-se a Martinho Fael e Moura, Lda. que viria a dar sustento a
quase 200 pessoas. Em 1981, sucedeu na empresa Célio Martinho. Modernizou-a, passando
a designar-se Lanificios Martinho. Em 2004, o neto, Amândio Martinho, tomou o
difícil encargo da sua gestão até à sua liquidação.
E assim vamos chegando aos
nossos dias, passando por referências à existência de Tele-escola, desde 1969
até 1973, por iniciativa do Padre Jaime Carvalheira; às vias de comunicação; ao
edifício das Repartições Públicas de Vila Cova; às redes de água, saneamento e
ETAR; aos equipamentos desportivos e de lazer.
Igualmente referências
incontornáveis ao associativismo em Vila Cova, registando-se na segunda metade
do século XX, nos princípios da década de cinquenta, a criação do Rancho
Folclórico “Estrela D’Alva”.
E claro, o Centro Paroquial
de Cultura Juvenil, criado em Setembro de 1967, de que Silva Brito foi
principal impulsionador.
A matriz essencial da ação do
autor era fazer e divulgar a cultura, em todas as suas vertentes, da popular à
erudita. Começou com uma Biblioteca, a publicação do Boletim “Rumo ao Alto”, a
criação de um Rancho Juvenil e de um Grupo de Teatro, este considerado o mais
duradouro e mais sério dos projetos culturais do Centro. O Grupo teve um longo
e rico historial, tendo inclusivamente representado o Distrito da Guarda, em
Lisboa, na XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura, em maio de 1983,
além de levar o teatro a muitas aldeias e cidades do centro de Portugal.
Realizava sessões de cinema
com regularidade, recorrendo a exibidores ambulentes e à Fundação Caloustre
Gulbenkian.
A dinâmica Cultural do Centro,
de que Silva Brito era a verdadeira mola real, levou igualmente à criação do Grupo
de Cantares “Águas Novas” que depressa ganhou notoriedade, sendo requisitado
para muitas digressões pelo país, chegando a atravessar a fronteira, em 1988,
para atuar em Contrexeville, no contexto do ato de geminação desta cidade
francesa com Seia e com o Luso.
Ao longo de um quarto de
século de atividade, o Centro Cultural de Vila Cova levou a cabo inúmeras
atividades culturais, recreativas e desportivas – colóquios, exposições,
passeios, festivais de música tradicional e coral, concursos literários,
classes de dança, jazz, entre outras.
Uma das mais originais e surpreendentes foi a existência de uma estação de
rádio, com o nome de “Rádio Horizonte”, que funcionou entre abril de 1987 e
janeiro de 1989.
No campo associativo,
regista-se também a Associação Operária de Vila Cova, fundada em Outubro de
1974, mais vocacionada para a área do desporto.
Outros factos e marcos
descritos na obra poderiam ser sublinhados, sem haver a pretensão de qualquer
secundarização dos mesmos, mas trata-se de uma impossibilidade dada a dimensão
da obra e o objetivo desta apresentação no sentido de evidenciar as inegáveis
qualidades do autor, quer enquanto escritor quer como homem da terra que o
mesmo procurou preservar através de um importante testemunho público. (podes
terminar o texto com uma frase dentro deste género para não quebrar logo o
texto ou as descrições feitas, parece-me mas vê o que achas melhor)
E assim se completa a
viagem, interrompida na fase de apresentação pública e que hoje aqui cumprimos,
nesta cerimónia simples e singela, tão simples e tão ao jeito da personalidade
de Silva Brito.
Mário Jorge Branquinho
Vila Cova, 1 de outubro de
2016