terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Nas asas de um sonho, Conto de Paulo Marques


O meu texto de apresentação do livro Nas asas de um sonho, de Paulo Marques:

 Na apresentação do livro, no Auditório da Casa da Cultura de Seia, com Susana Amaral, o autor Paulo Marques e Susana Freitas

Fez há pouco um ano, em setembro, que Paulo Marques apresentou o seu primeiro livro, O Sentimento de Viver a Emoção de Sentir. Uma obra em torno dos sentimentos e das emoções, numa perspetiva de potenciar o que há de bom em cada um de nós, num registo quase missionário de como ser feliz, explorando a natureza dos impulsos e das correntes primárias que brotam das pessoas, na sua singularidade.

Passado pouco mais de um ano, Paulo Marques, para quem escrever é uma paixão, presenteia-nos, à entrada da época natalícia, com um conto que nos leva para um mundo de magia e de fantasia, voando nas asas do sonho, explorando sentimentos e definições aprimoradas, indubitavelmente tão necessários.

Um livro singular, na linha de tantos contos contados, ancorado aqui no propósito de levar o leitor a sonhar, a imaginar e a refletir a partir do encontro de uma criança com a figura simbólica de embalar: o Dragão, esse doce gigante de histórias de encantar. Um pequeno conto, de tamanho grande, que vai ao fundo da leveza dos termos que animam, acompanham e impelem ao amor e a outros sentimentos de reputada significância.

Para mudar o mundo, costuma dizer-se, é preciso sonhar acordado, e aqui a inspiração vai nesse sentido, voando em pensamento, nas asas do vento, descodificando o que há para descodificar. Nesta viagem curta e ternurenta há uma forma de despertar sentimentos básicos, em diálogo corrido e breve. Uma conversa onde o autor coloca na voz de uma criança conceitos simples para os adultos lerem e melhor compreenderem.

Escrita simples, simbólica, fortemente moralista, respaldada em definições fáceis e descortináveis, mas fortes e fartas na imprescindibilidade dos termos, com foco maior no amor. A ponto de expressar que “o amor é o remédio para as doenças, só ele cura verdadeiramente” (p. 20). Ou a ponto de acrescentar que “as pessoas que mais magoam, são as que mais precisam de ajuda”, não deixando de aludir ao facto de “não termos o direito de julgar, cada um de nós dá o melhor de si” (p. 26). Do mesmo modo, quando a menina Matilde diz ao Dragão que a “maior prova de amor que alguém te pode dar, é regressar a ti, depois de ter ido embora”. Ou ainda quando diz que “é bom quando as coisas acabam, pois dá oportunidade para que outras novas aconteçam”. A mesma Matilde que, mais adiante, refere, na simplicidade de um olhar imaginário, que “a tristeza e as lágrimas servem também para libertar o que sentimos, (…)”, (p.31). 

Um conto para crianças que os adultos devem ler e interiorizar, como se percebe nas entrelinhas ser a intenção do autor, ou não se autodefinisse Paulo Marques como um facilitador. Por isso, e na linha do que o autor já nos vem habituando, esta é uma escrita de assuntos sérios, que ditada assim, redunda em compreensão alargada e facilitada. E alastrada em sentidos, reinscrevendo-se em lições e auto-retratos, que nos conferem responsabilidades morais acrescidas, levando-nos nas asas dos sonhos ao encontro do que somos, em direção ao bem, em contraponto ao mal. Porque há sempre lados opostos e “(…) há sempre hipótese de um desses lados ajudar o outro, ou seja, mostrar o amor”, como se lê na página 19.

O medo, sentimento negativo, muitas vezes infundado, é também aqui desconstruído na pessoa da pequena Matilde. A presença de um ser diferente, grande no tamanho, não lhe inspirou qualquer sentimento negativo pois, como ela diz “eu gosto de cada pessoa porque não há ninguém igual”. A frase e as que a antecedem alertam, na sua simplicidade, para o respeito do que é diferente e o facto de se ser diferente não é merecedor de medo. A amizade que une dois seres é possível na diferença entre os mesmos. E é o amor, entendido em sentido lato, que pode salvar o mundo, unir os opostos, ultrapassar a dor. A morte é aqui relativizada como algo que faz parte da vida e compreendê-la é também um sinal de amor pela libertação necessária. Nesta visão, assente na existência de tamanho sentimento, nada se torna impossível. Basta desejar, ter vontade de e acreditar. E amar é também libertar.
Assim, o autor vai decifrando sensações, rebuscando definições até deixar em nós um leve trago de curiosidade e um reflexo impulsivo de ir também através do vento, para fazer de nós mais felizes, entrecortando o real e o imaginário.

Há nesta escrita de Paulo Marques um questionar por dentro, numa história simples, de amor e de vida, despertando curiosidades, por entre frases e contextos narrativos, numa adesão a verbos e princípios, num quase universo de paz e de serenidade.

Quase como no Principezinho, de Saint-Exupéry, deambulando no profundo, simples mas complexo emaranhado de sentimentos, vemo-nos a interpretar códigos e a refletir assuntos de vida, neste caso com o amor à cabeça e bem no centro desse universo restrito e denso. História escorreita, respaldada na teia simbólica de códigos, aqui e ali desfeitos em apelos e desembaraços, reencontrando bastas vezes a chave do caminho certo. Mesmo quando a Matilde se despede do Dragão, rematando docemente que “Não é por ir embora que deixo de te amar” (p. 35).

Por aqui se vê que esta é mais do que uma história infanto-juvenil de “era uma vez”, uma vez que, através dela, podemos ler e sonhar e imaginar um encontro entre dois seres diferentes, que em pouco tempo criam laços e amor entre ambos. Uma história entre o real e o imaginário, para quase concluir que “só importa aquilo que somos e sentimos”.

Em jeito de síntese, este é um pequeno momento para sonhar, para viajar pelo mundo das emoções e dos mais nobres sentimentos, como que para celebrar o amor pela vida. Como que para espalhar a consciência dessa vida e desse amor alado, para quem acredita. Como quem acredita na sensibilidade e nos valores. Valter Hugo Mãe, no seu último livro Contos de cães e maus lobos, diz a dada altura que “as crianças entendem o que nós já deixámos de entender”, o que neste conto de Paulo Marques se aplica na perfeição, numa escrita onde se expressa a vontade de voltar a entender, o que redunda na forma de manter a capacidade de amar.

Enfim, introitos e motivos para nos prender à leitura, na emoção dos sentidos. E assim vamos, andando e lendo, nas asas de um sonho, como num conto de fadas!

Uma história curta, emotiva e sentida, enriquecida com as ilustrações de Ana Romão, que são um contributo valioso para tornar a obra ainda mais apelativa e enriquecedora. Ilustrações que nos facilitam ainda mais a entrar nesse universo criado por Paulo Marques, na mistura daquilo que pensamos, com aquilo que lemos e vemos ilustrado.

Ana Romão é ilustradora freelancer e vive na área de Lisboa, Portugal.
Possui Licenciatura em Artes Plásticas pela FBA Universidade do Porto, Mestrado em Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias pela FCSH Universidade Nova de Lisboa e Mestrado em Educação Artística.

A publicação é da Sana Editora, um projeto literário para a edição de livros e outras publicações para públicos diversos e diferentes géneros literários.


Mário Jorge Branquinho

Seia, 18 de dezembro 2016

Sem comentários: