O meu texto de apresentação do livro Nas asas de um sonho, de Paulo Marques:
Na apresentação do livro, no Auditório da Casa da Cultura de Seia, com Susana Amaral, o autor Paulo Marques e Susana Freitas
Fez há
pouco um ano, em setembro, que Paulo Marques apresentou o seu primeiro livro, O Sentimento de Viver a Emoção de Sentir. Uma
obra em torno dos sentimentos e das emoções, numa perspetiva de potenciar o que
há de bom em cada um de nós, num registo quase missionário de como ser feliz,
explorando a natureza dos impulsos e das correntes primárias que brotam das
pessoas, na sua singularidade.
Passado
pouco mais de um ano, Paulo Marques, para quem escrever é uma paixão,
presenteia-nos, à entrada da época natalícia, com um conto que nos leva para um
mundo de magia e de fantasia, voando nas asas do sonho, explorando sentimentos
e definições aprimoradas, indubitavelmente tão necessários.
Um livro
singular, na linha de tantos contos contados, ancorado aqui no propósito de
levar o leitor a sonhar, a imaginar e a refletir a partir do encontro de uma
criança com a figura simbólica de embalar: o Dragão, esse doce gigante de
histórias de encantar. Um pequeno conto, de tamanho grande, que vai ao fundo da
leveza dos termos que animam, acompanham e impelem ao amor e a outros
sentimentos de reputada significância.
Para mudar
o mundo, costuma dizer-se, é preciso sonhar acordado, e aqui a inspiração vai
nesse sentido, voando em pensamento, nas asas do vento, descodificando o que há
para descodificar. Nesta viagem curta e ternurenta há uma forma de despertar
sentimentos básicos, em diálogo corrido e breve. Uma conversa onde o autor
coloca na voz de uma criança conceitos simples para os adultos lerem e melhor
compreenderem.
Escrita
simples, simbólica, fortemente moralista, respaldada em definições fáceis e
descortináveis, mas fortes e fartas na imprescindibilidade dos termos, com foco
maior no amor. A ponto de expressar que “o amor é o remédio para as doenças, só
ele cura verdadeiramente” (p. 20). Ou a ponto de acrescentar que “as pessoas
que mais magoam, são as que mais precisam de ajuda”, não deixando de aludir ao
facto de “não termos o direito de julgar, cada um de nós dá o melhor de si” (p.
26). Do mesmo modo, quando a menina Matilde diz ao Dragão que a “maior prova de
amor que alguém te pode dar, é regressar a ti, depois de ter ido embora”. Ou
ainda quando diz que “é bom quando as coisas acabam, pois dá oportunidade para
que outras novas aconteçam”. A mesma Matilde que, mais adiante, refere, na
simplicidade de um olhar imaginário, que “a tristeza e as lágrimas servem
também para libertar o que sentimos, (…)”, (p.31).
Um conto
para crianças que os adultos devem ler e interiorizar, como se percebe nas
entrelinhas ser a intenção do autor, ou não se autodefinisse Paulo Marques como
um facilitador. Por isso, e na linha do que o autor já nos vem habituando, esta
é uma escrita de assuntos sérios, que ditada assim, redunda em compreensão alargada
e facilitada. E alastrada em sentidos, reinscrevendo-se em lições e
auto-retratos, que nos conferem responsabilidades morais acrescidas,
levando-nos nas asas dos sonhos ao encontro do que somos, em direção ao bem, em
contraponto ao mal. Porque há sempre lados opostos e “(…) há sempre hipótese de
um desses lados ajudar o outro, ou seja, mostrar o amor”, como se lê na página
19.
O medo,
sentimento negativo, muitas vezes infundado, é também aqui desconstruído na
pessoa da pequena Matilde. A presença de um ser diferente, grande no tamanho,
não lhe inspirou qualquer sentimento negativo pois, como ela diz “eu gosto de
cada pessoa porque não há ninguém igual”. A frase e as que a antecedem alertam,
na sua simplicidade, para o respeito do que é diferente e o facto de se ser
diferente não é merecedor de medo. A amizade que une dois seres é possível na
diferença entre os mesmos. E é o amor, entendido em sentido lato, que pode
salvar o mundo, unir os opostos, ultrapassar a dor. A morte é aqui relativizada
como algo que faz parte da vida e compreendê-la é também um sinal de amor pela
libertação necessária. Nesta visão, assente na existência de tamanho
sentimento, nada se torna impossível. Basta desejar, ter vontade de e
acreditar. E amar é também libertar.
Assim, o
autor vai decifrando sensações, rebuscando definições até deixar em nós um leve
trago de curiosidade e um reflexo impulsivo de ir também através do vento, para
fazer de nós mais felizes, entrecortando o real e o imaginário.
Há nesta
escrita de Paulo Marques um questionar por dentro, numa história simples, de
amor e de vida, despertando curiosidades, por entre frases e contextos
narrativos, numa adesão a verbos e princípios, num quase universo de paz e de serenidade.
Quase como
no Principezinho, de Saint-Exupéry, deambulando no
profundo, simples mas complexo emaranhado de sentimentos, vemo-nos a
interpretar códigos e a refletir assuntos de vida, neste caso com o amor à
cabeça e bem no centro desse universo restrito e denso. História escorreita,
respaldada na teia simbólica de códigos, aqui e ali desfeitos em apelos e desembaraços,
reencontrando bastas vezes a chave do caminho certo. Mesmo quando a Matilde se
despede do Dragão, rematando docemente que “Não é por ir embora que deixo de te
amar” (p. 35).
Por aqui
se vê que esta é mais do que uma história infanto-juvenil de “era uma vez”, uma
vez que, através dela, podemos ler e sonhar e imaginar um encontro entre dois
seres diferentes, que em pouco tempo criam laços e amor entre ambos. Uma
história entre o real e o imaginário, para quase concluir que “só importa
aquilo que somos e sentimos”.
Em
jeito de síntese, este é um pequeno momento para sonhar, para viajar pelo mundo
das emoções e dos mais nobres sentimentos, como que para celebrar o amor pela
vida. Como que para espalhar a consciência dessa vida e desse amor alado, para
quem acredita. Como quem
acredita na sensibilidade e nos valores. Valter Hugo Mãe, no seu último livro Contos de cães e maus lobos, diz a dada
altura que “as crianças entendem o que nós já deixámos de entender”, o que
neste conto de Paulo Marques se aplica na perfeição, numa escrita onde se
expressa a vontade de voltar a entender, o que redunda na forma de manter a
capacidade de amar.
Enfim,
introitos e motivos para nos prender à leitura, na emoção dos sentidos. E assim
vamos, andando e lendo, nas asas de um sonho, como num conto de fadas!
Uma
história curta, emotiva e sentida, enriquecida com as ilustrações de Ana Romão,
que são um contributo valioso para tornar a obra ainda mais apelativa e enriquecedora.
Ilustrações que nos facilitam ainda mais a entrar nesse universo criado por Paulo
Marques, na mistura daquilo que pensamos, com aquilo que lemos e vemos
ilustrado.
Ana Romão
é ilustradora freelancer e vive na
área de Lisboa, Portugal.
Possui Licenciatura
em Artes Plásticas pela FBA Universidade do Porto, Mestrado em Cultura
Contemporânea e Novas Tecnologias pela FCSH Universidade Nova de Lisboa e
Mestrado em Educação Artística.
A
publicação é da Sana Editora, um projeto literário para a edição de livros e
outras publicações para públicos diversos e diferentes géneros literários.
Mário
Jorge Branquinho
Seia, 18
de dezembro 2016
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