sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Carta aberta aos “desalmados de  burnout”

Cara senhora ou senhor,

Espero que esta minha carta os encontre à procura de melhor saúde mental, na expetativa de melhores dias, em todos os teatros de operações diariamente frequentados.
O desejável era que não fosse, mas a estatística diz-nos que sim, que há fortíssimas probabilidades de estar no clube dos “desalmados de burnout”. Uma elite a que aderem cada vez mais, à proporção do stress físico e emocional e respetiva exaustão e sentimentos de ineficácia a eles associados.
De facto não acontece só aos outros, por isso me lembrei de si, que certamente é um de seis que sofre a bom sofrer, silenciosa e delicadamente. Um dos expostos a esse danado stress laboral crónico que o deixam em baixo ou de baixa. Carregado de lapsos de memória, de falta de concentração, impaciência, irritabilidade, fadiga ou enxaqueca, ou dores, ou insónias, ou desânimo, ou baixa auto-estima, ou desespero constante ou outra coisa qualquer não recomendável no livro da psiquiatria.
Se está neste lote, é quase de certeza uma das vítimas de quase bullying laboral, ora de lideranças frágeis e frouxas propícias à desmotivação, complicadas ou arrogantes, ora de sistemas toscos e sisudos e ambientes obscuros, ora ainda de ameaças e medos a emergir na concorrência feroz e atroz.
Como deve saber, o importante é saber o que lhe faz mal, circunscrevendo o diagnóstico e a partir daí colocar o foco nas coisas boas, arredando da ação e do pensamento tudo que é tóxico. E claro, como vem nos manuais, evitar conflitos e mexericos, sorrir e adotar formas de vida saudável. Ou como diria o outro, dividir o dia em três partes. Oito horas para trabalhar, oito para dormir e outras oito para o lazer e família. E não é preciso ser rico para ser assim, porque nas horas de lazer e família está o busílis. Se convivemos com os amigos, se praticamos desporto, se vamos ao cinema, se ouvimos música, se lemos, se pescamos, se deixamos os assuntos laborais no local de trabalho e vice-versa e se e se. Nem precisamos fazer o pino, apenas saber separar o que é do trabalho e o que é da família.
Cara senhora ou senhor, se não está neste clube de “desalmados de burnout”, não se ria porque a qualquer momento pode estar. Se já está ou quase se sente membro desse inferno, saia enquanto é tempo, para não se infernizar e enfermar a si e aos seus. Nem precisava que lhe lembrasse, mas nunca é demais recordar, como nunca é demais treinar a mente para estes exercícios do que deve e não deve, para não sofrer e perder. Olhe que é na alegria que está o ganho e na inteligência emocional de que nos falam.
Mesmo na adversidade laboral ou familiar, lembre-se que quase estamos condenados a aturar-nos uns aos outros, por isso use as suas defesas e não pense que tudo isto é moralismo prosélito. Continue a colocar paixão e criatividade no que faz e faça você mesmo por criar ambientes propícios à colaboração e entreajuda e sobretudo procure meter na gaveta a arrogância de quem o martiriza. E de caminho, se poder, meta lá dentro a pessoa, não hesite!
Só se vive uma vez e se lhe disserem que no trabalho não precisamos de ser amigos, cultive a amizade, mesmo na adversidade e sorria e siga e surpreenda os seus pares sempre que for oportuno. Ofereça flores ou chocolates, cante, dance, conviva sempre que puder, e não apenas no Natal, porque como se diz no Carnaval, a vida são doiSem exageros, nem tanto ao mar, nem tanto à terra, para que não lhe apontem o ditado de “muito riso, pouco siso”, enverede pelo meio do caminho, que é onde pode estar a virtude ou a bondade. Tanto em casa como no trabalho, em terra ou no mar, muitos ditados se aplicam a tempestades, porque onde há duas pessoas há um potencial de conflito e de ondas. E quem quer ver o caráter de uma pessoa, dê-lhe um pouco de poder, e constate a crispação na maré alta da presunção de que se fala.
Na gestão de conflitos e sobretudo nas relações interpessoais é que está o segredo e não há que ter medo, siga, descontraia e se for preciso medite, que a meditação é a oração dos honestos.
A terminar, formulo votos de melhoras ou cautelas, conforme os casos e não se esqueça que é possível viver feliz e triunfar na vida, mesmo numa pocilga de inquietação ou no reino da hipocrisia.
Bom Natal!
Seia, Dezembro 2019
Observador, 14 dez 2019, 00:084

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