Seia, simplesmente Seia *
Falar de Seia, por parte
de quem aqui mora, por quem aqui vive, por quem a vive e a sente, pode
significar um ato de tendência exagerada, ora apontando fragilidades, ora
acentuando virtudes de sub-reptícias formas. Por isso, e neste contexto em que
escrevemos, inclinamo-nos para um breve olhar cruzado, por entre uma realidade
de um espaço comunitário, que mergulha nas suas raízes históricas, se afinca
nas suas potencialidades e se abalança nos desafios que espreitam, época após
época, de conjunturas diferentes, num mundo que é cada vez mais conturbado. Um
olhar breve, numa espécie de curto guião, que não deixa de ser um convite a
revisitar memórias deste concelho com futuro.
Posto isto assim,
começamos na raiz e viajamos ao período pré-histórico, para dizer que a maioria
dos historiadores considera que a presença humana neste território, remonta a
450 anos antes de Cristo. Pouco tempo depois, em 139 antes de Cristo, surge
pelos chamados “Montes Hermínios” um bravo pastor Serrano, Viriato, que se diz
ter nascido, entre outros lugares na Póvoa Velha. Fundada pelos Túrdulos, a Oppidum
Sena, antiga cidade de Sena, pela sua posição geográfica constitui-se como um
ponto estratégico na luta contra a invasão romana. Muito mais adiante, em 910 é
tomada por Ordonho II, rei da Galiza e Leão, passando posteriormente para o
domínio muçulmano, acabando por ser reconquistada por D. Fernando Magno, em
1055.
Percorrendo ainda
factos históricos relevantes, ficamos a saber que no processo de reconquista cristã
e arroteamento deste território, em 1132, D. Afonso Henriques encontrou Seia
num estado de ruína e despovoamento, consequência das lutas consecutivas entre
mouros e cristãos. Com efeito, procedeu à sua doação ao seu valido João Viegas,
por reconhecimento de serviços prestados, e em 1136 concedeu o primeiro foral,
onde a denominava de Civitatem Senam
(Cidade de Seia).
Apesar de não haver
nenhum documento que o comprove, pensa-se que em 1390 reuniram-se em seia os
famosos Doze de Inglaterra, sendo alguns deles de Seia, Linhares, Gouveia,
Melo, Celorico, Pinhel e Trancoso. Outra data histórica escreve-se em 1807, com
as Invasões Francesas que vieram devastar Santa Comba, Pinhanços, Santa
Eulália, Paranhos e Girabolhos, tendo incendiado em seia a Casa das Obras (atual
Câmara Municipal), Igreja da Misericórdia e Matriz, deixando tudo em ruínas. Estes
e muitos outros factos históricos relevantes constam de várias publicações e
sobretudo na Monografia da cidade e concelho de Seia, de José Quelhas Bigotte
(1992), até hoje o trabalho mais aprofundado da história do concelho de Seia.
Ressalva-se
entretanto algumas publicações referentes a épocas históricas balizadas de
relevante importância, como sejam “Seia uma terra de fronteiras nos séculos XII
e XIII”, de Maria Helena da Cruz Coelho (1986), “”Seia na Idade das Trevas” de
José Matoso (1986) “O Concelho de Seia em tempo de mudança” de Lúcia Moura
(1997) e mais recentemente “O Marcelismo e o 25 de Abril vistos em dois jornais
locais” de Luís Vieira Rente (2004) e “A Casa da Luz”, de João Orlindo Marques
(2009).
No que se refere a
monumentos, em Seia sobressai a capela de S. Pedro, com mais de mil anos e que
é monumento nacional, de estilo românico com laivos mozárabes. Do vastíssimo
espólio arquitetónico que encontramos pelo concelho, podemos ainda destacar a
Capela do Santo Cristo do Calvário, em Seia, o Pelourinho do Casal de
Travancinha, a Ponte Romana de Sandomil, a Anta do Carvalhal e de data mais
recente a escultura de vulto feminino em bronze junto ao jazigo do Republicano
Afonso Costa, no Cemitério de Seia.
Retomando a história
de Seia no início do século XX, apraz registar uma atividade que seria marcante
do ponto de vista económico até aos nossos dias e que é a construção do
aproveitamento hidroelétrico da serra da Estrela.
Este facto
transporta-nos para 1907, ano em que se iniciou a construção do primeiro
aproveitamento hidroelétrico, dos quatro existentes sobre o Rio Alva, através
da criação da Empresa Hidroelétrica da Serra da Estrela (EHSE). E é a partir da
primeira central construída na Senhora do Desterro que em 23 de Dezembro de
1909 a energia chega a Seia pela primeira vez. A partir daí, a empresa liderada
por Marques da Silva foi construindo um importante complexo hidroelétrico
através da EHSE, que marcou a economia do concelho durante décadas e que viria
a ser nacionalizada em 1975, integrando a EDP.
Posteriormente, na
década de 60, há outro fenómeno que marca a economia e a vida social do
concelho de Seia, com o surgimento da indústria têxtil. Impulsionada pelo
empresário Joaquim Fernandes, o têxtil transformou-se em pouco tempo numa
mono-indústria deste concelho, chegando a empregar perto de 4 mil trabalhadores
em várias fábricas, mas sobretudo na Vodratex e Fisel, em redor das quais foram
mesmo construídos bairros sociais. No início da década de noventa este setor
viria a entrar em crise profunda, fruto da conjuntura económica da época, sendo
hoje uma atividade residual.
Segundo os Censos de
2011, o Concelho de Seia tem 24 mil habitantes, tendo perdido cerca de 4 mil em
relação ao ano 2001, em que registava 28 mil habitantes.
Até Outubro deste ano
de 2013 o concelho era composto por 29 freguesias e mais de 100 localidades,
mas com a reforma administrativa implementada, e com as agregações que foram
impostas, passou a ter 21 freguesias.
Uma parte destas
freguesias situa-se na zona montanhosa, correspondente às chamadas aldeias de
montanha - Alvoco da Serra, Cabeça, Lapa dos Dinheiros, Loriga, Sabugueiro,
Sazes da Beira, Teixeira, Valezim e Vide, que são caracterizadas por densidades
populacionais muito baixas. Territórios com imensas belezas paisagísticas, que
nos levam ao ponto mais alto, a quase dois mil metros de altitude e à
descoberta de tesouros e magias escondidas por entre veredas.
Por esta via, o
Turismo tem vindo a ocupar nas últimas décadas um relevante papel na economia
local, quer pelos programas de animação organizados nestas aldeias, quer pela
valorização do património cultural e paisagístico, quer pelo incremento de
vários produtos associados à região.
O queijo da serra é
uma das várias imagens de marca de Seia, fruto do incremento da pastorícia ao
longo de décadas e também pela instalação de várias unidades de produção
industrial que abastecem os vários mercados do país e alguns do circuito
internacional. Mas para além do queijo da serra, sobressai o requeijão, o pão
do Sabugueiro, os enchidos, os vinhos, o mel, vários licores e diversos outros
produtos artesanais que os poderemos encontrar nas chamadas Feiras do Queijo,
realizadas anualmente no sábado de Carnaval.
Chegados aqui,
desembocamos no papel que a cultura tem desempenhado no quadro de
desenvolvimento do concelho de Seia, fruto da ação do seu município. Uma
estratégia que tem passado nos últimos trinta anos pela construção de um conjunto
de equipamentos culturais e na realização de eventos considerados relevantes na
agenda cultural do concelho.
O principal evento
que mais se identifica com a cidade de Seia e os propósitos culturais e
ambientais seguidos na governação local, é o CineEco – Festival Internacional
de Cinema Ambiental, que se organiza em Outubro desde 1995 de forma
ininterrupta. Trata-se do único festival de cinema ambiental que se realiza no
nosso país e que constitui um cartaz internacional de grande projeção internacional
e que traz à cidade muitas personalidades do mundo do cinema, do teatro, dos
movimentos ambientalistas, etc.
Para além deste,
podemos ainda identificar outros “eventos ancora” no calendário cultural do
município, como sejam o Festival Jazz & Blues, O Festival de artes
plásticas – ARTIS, as Jornadas Históricas, as festas da cidade, a Feira do
Queijo, as Marchas Populares, e todo um conjunto de ações pontuais, do
município e da comunidade, que compõem a programação dos vários espaços da
cidade.
A rede de equipamentos culturais de Seia estrutura-se em três grandes
domínios: equipamentos de exposição e consulta, equipamentos de espetáculo e
equipamentos comunitários. Independentemente do tipo de equipamentos,
verifica-se que escassas são as freguesias que não dispõem de nenhum
equipamento, ainda que se verifique uma acentuada concentração nas freguesias
de Seia e de São Romão. No âmbito desta rede, há 7 equipamentos que importa
destacar, quer pela projeção concelhia promovida e subsequente atração de visitantes,
quer pela centralidade que assumem na programação cultural concelhia.
A Casa Municipal da Cultura, situada no centro da cidade, é um equipamento
polivalente, com um Cineteatro com capacidade para 345 pessoas, auditório para
150 pessoas, Galerias Municipais e Espaço Internet, a funcionar na sua
plenitude desde 1995. Um equipamento dotado de recursos humanos próprios, e com
uma programação diversificada, estruturada e de qualidade, com espetáculos de
teatro, dança, concertos, exposições e sessões semanais de cinema, o que lhe
confere o estatuto de verdadeiro “centro cultural do concelho de Seia”.
A Biblioteca Municipal, que entrou em funcionamento em 1993, situa-se em
pleno centro histórico da cidade e apresenta atualmente uma vasta oferta
cultural, destacando-se o espólio documental de livros e em formato
audiovisual. Através desta estrutura, tem-se assistido a organização de feiras
de livro, sessões de contos, concursos literários e outras atividades de
promoção da leitura.
O Arquivo Municipal, que foi criado em 1994, tem como finalidade central a
preservação, inventariação e estudo dos documentos de interesse municipal,
disponibilizando um espólio arquivístico informatizado. O Arquivo organiza
anualmente em Novembro, as chamadas Jornadas Históricas do Concelho e
proporciona visitas guiadas pelo centro histórico e organiza esporadicamente
exposições na Casa da Cultura.
O Museu do Brinquedo, instalado no antigo solar de Santa Rita, é um
equipamento museológico que reúne uma vasta coletânea de brinquedos portugueses
e internacionais, de diferentes épocas. Inaugurado em 2002, tem exposições
temporárias e itinerantes alusivas a temáticas diversificadas.
O Museu Natural da Eletricidade, que foi inaugurado pelo Município de Seia no dia 11 de Abril
de 2011, é um espaço museológico que nasce a partir da centenária Central da
Senhora do Desterro, e que pretende divulgar o património tecnológico, natural,
social e cultural que lhe está associado.
A Ludoteca Municipal, que foi criada em 1994 está instalada na antiga casa
dos Magistrados, constituindo um espaço destinado a crianças com idades compreendidas entre os
4 e os 16 anos, e que desenvolve uma atividade muito meritória.
O Centro de Interpretação da Serra
da Estrela (CISE) é uma estrutura do Município de Seia, criada em 2000,
vocacionada para a promoção do conhecimento e divulgação do património
ambiental da serra da Estrela. Sedeado numa quinta no centro de Seia, o CISE
apresenta um conjunto de espaços e equipamentos multivalente que o convertem
num local modelar para o desenvolvimento de atividades de educação e divulgação
ambiental, promoção turística e investigação e um ponto privilegiado para
partir à descoberta da serra da Estrela.
Por último, uma referência ao espaço
Museológico da Misericórdia com um vasto e rico espólio de arte sacra, o Museu
Etnográfico do Rancho Folclórico de Seia, bem como ao Museu do Pão. Este último
é uma unidade privada, criada em Setembro de 2002 e que constitui uma das
principais atratividades de Seia e da Serra da Estrela.
Nesta descrição sumária, cabe também uma referência à existência de mais de
100 coletividades, de natureza eminentemente cultural. Estas agrupam-se em três
grandes tipologias: bandas filarmónicas (7), ranchos folclóricos 5 (dos quais 3
são federados), grupos de cantares (3) e orfeões (2), sendo considerados
parceiros importantes na preservação e valorização da património etnográfico
concelhio.
As associações registam uma repartição territorial diferenciada em função
da sua natureza, enquanto que, as de base cultural e recreativa têm um padrão
locativo marcado pela dispersão, as de base cultural e desportiva
caraterizam-se por uma acentuada concentração na sede de concelho e freguesias
circundantes, não obstante, destas últimas serem quantitativamente mais numerosas.
Podemos ainda referenciar neste capítulo, a existência de 3 corporações de
Bombeiros – Seia, São Romão e Loriga - e mais de 3 dezenas de Instituições de Solidariedade
Social (IPSS), um setor com um peso significativo na economia local e que
desenvolve um conjunto de atividades e valências consideradas relevantes.
Na área da Saúde, Seia possui um moderno Hospital com várias valências e
consultas de especialidade em funcionamento, além do Centro de Saúde de Seia e
São Romão e outras unidades ainda em funcionamento nalgumas freguesias. Possui
ainda uma unidade de Cuidados Continuados da Misericórdia, a funcionar desde
2011, que é uma unidade de referência a nível nacional.
Todavia, são as escolas os grandes motores de desenvolvimento deste
concelho, destacando-se atualmente a Escola Superior de Turismo e Hotelaria
(IPG), a Escola Profissional da Serra da Estrela, Conservatório de Música de
Seia, os dois agrupamentos de Seia e a Escola Evaristo Nogueira, de São Romão.
De toda a abordagem feita até aqui, importará talvez destacar ainda a
situação geográfica de Seia, como cidade do interior do país, que vive desse
isolamento, do drama de estar fora dos grandes eixos rodoviários e de ter de
redobrar esforços para estancar o fenómeno do despovoamento. Um fenómeno que
vem sendo contrariado pela aposta no setor turístico, aproveitando a imponência
da serra e suas paisagens, através de atividades de hotelaria e restauração,
bem como de produção de produtos locais. Umas vezes com maior expressão e
afinco, outras mais tenuemente, o certo é que, como se constata, ao longo da
sua história, os seus habitantes sempre souberam ultrapassar dificuldades e
nesta fase critica, de conjuntura altamente desfavorável, saberá responder aos
desafios.
Porque Seia tem futuro!
Mário Jorge Branquinho
* texto publicado no livro: Momentos de Cultura com Orfeão de Seia, de Fernando Beco
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