segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Serra da Estrela, esta serra que se escreve assim


A serra é alta, enigmática e a sua aparência é tão suave como o canto do mocho em vias de extinção. A serra é fria e a brisa que sopra por entre as penedias desta escrita é leve e leva-me a procurar descrevê-la. Por outro lado, a serra apresenta-se vestida de mil cores, pintada por inúmeros pintores, à espera de curiosos turistas ou de pessoas locais, que sem sair para fora, podem viajar cá dentro!

A curiosidade é sempre boa conselheira, bailando connosco nas andanças verdejantes nos extensos campos da serra, onde serpenteiam surpresas vivas e saudáveis sensações. Saber o que está para lá dos montes, por baixo das pontes, no fundo das lagoas, nas encostas empedradas, no fundo dos rios ou nas vulvas das flores que brotam do rosmaninho, são prazeres que extasiam.

No servum que serve de acolchoado, saltitam gafanhotos de contentamento em dias primaveris, sem chuva e sem vento, já que a maior parte do tempo, o manto branco da neve cobre tudo. Articulado entre paz e natureza, está a leve harmonia de sensações capazes das maiores atracções e libertações. 

São belezas atractivas adjacentes ao supra citado articulado e que aqui se realça, com a mesma profundidade com que se eleva a grandiosidade desta serra imponente. E não se pode dizer que não há grandeza na simplicidade destes fenómenos naturais, com a mesma transparência com que correm as águas cristalinas dos ribeiros atrevidos. É imensa a força da raiz desta tela pintada, onde também
há pessoas que vivem e sentem o pulsar que marca o compasso da natureza. Enfim o quadro é lindo e a pintura não pode ser borrada!

MJB, in O Mundo dos Apartes, Seia, Maio 2002


@MárioBranquinho

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Dependências novas



Dependemos muito de muita coisa e cada coisa faz-nos cada vez mais falta, como nenhuma falta nos faz tanta coisa que dantes nos fazia. Quem tem mais de quarenta sabe do que falo, e não é de saudosismo nem de certas militâncias ativas, mas tão só daquilo que antes era e já não é. Do que não passávamos sem ter, em contraponto com aquilo que já não passamos sem ter, ver ou fazer.

Tanto hábito perdido, tanta dependência trocada, para por fim, sem darmos por isso, substituímos por outras e mais outras, no correr dos dias ditos modernos. Escrevi no meu segundo livro, em 2002, a crónicas tantas, que “eu ainda era do tempo das cabines telefónicas”. Uma dependência de cartões de carregamento ou moedas, que em pouco tempo se transformou na dependência directa dos telemóveis e afins. Por onde quer que se vá, todo o mundo se vai na concentração do celularzinho. E não há volta a dar, seja de metro, autocarro, carro, ou em casa, na cama, no campo, na água, por todo o lado, à chuva e ao sol, conforme os casos de dependência. Todos conectados, concentrados e abstractos do que está à volta. Em cada pessoa um vício, e em cada vicio um grau maior de dependência, até nem darmos por isso e ser banal.

Não tenho certeza, mas não duvido que a literatura, em contraponto baixou e a literacia acompanhou a queda, proporcional à ligeireza das causas virtuais. A dependência da poluição visual, das torrentes informativas, de leads e títulos atinge picos nunca dantes vistos ou imaginados, ao ponto de retirar vida à sã convivência. E como qualquer dependência, corrói e faz mossa, nesta mola que sobe e desce a entreter o pagode.

Sobra a esperança de voltarmos a conversar, concentrados nos olhos dos outros, na essência das palavras, na raiz dos valores, sem as distracções de virtuais tentações de permeio, que pelo meio enxameiam a mente e distorcem tudo.

Já nem falo dos viciados no jogo, que usam fraldas para não interromperem e engordam sem sair do lugar, a rebentar pelas costuras. Ou de quando, cada um em cada compartimento da casa, manda e recebe mensagens no telemóvel, em diversas aplicações, com várias conversas em simultâneo, e simultaneamente vendo série ou filme no PC, com a TV ligada e a musica no ar e tudo e mais alguma coisa ao mesmo tempo e o olho no micro-ondas ou na máquina de lavar. Em casa, no carro, no trabalho ou em férias, onde quer que seja, sempre ou quase sempre, na louca fúria de viver e sentir, sem dispensar a virtuosa rotina virtual que anima os dias e aquece as almas. Dando permissão para tudo, na violação grosseira de privacidade, que a droga obriga e a mente pede e não dispensa.

É o vício, é o vício! Falta ver que novas dependências traz o bicho, porque a ciência não para de descobrir e o homem quer sempre mais, na onda do caminho, para onde todos vão em carreiro, em ambiente porreiro. É o que está a dar! E depois destas, outras dependências virão, que o mundo não acaba aqui.
Mário Branquinho, 30 maio 2018