O meu discurso na sessão solene do 25 de Abril de 2014, na
Assembleia Municipal de Seia
Vir aqui falar, impõe-se desde logo perguntar, que sentido
faz vir aqui a este púlpito discursar, em sessão solene, sobre a revolução do
25 de abril ocorrida há 40 anos? Que consequências e de que adiantará fazê-lo?
Falaremos para nós em efémera passagem, sem resultados palpáveis e pronto?
Passados 40 anos de uma revolução ocorrida no nosso país,
interrogamo-nos sobre o peso das palavras em discursos comemorativos e
perguntamo-nos se vale a pena. Passados estes anos e porque a alma não é nem
deve ser pequena, vamos pelas palavras e não desistimos, pelo menos em acção
simbólica, sublinhando a importância do acto e do facto.
Passados 40 anos continuamos a falar de abril e a fazer
discursos, não para cumprir calendário, mas para continuar a manter viva a
chama dos propósitos que tiraram o país da ditadura. Para repetir as vezes que
forem necessárias, tanto os termos como as frases do dicionário próprio de
abril. Porque as memórias não se apagam e porque através delas seguimos novos
rumos, cumprimos abril, sempre que discursamos, sempre que lembramos. E se é
verdade que as palavras não mudam a realidade, também é verdade que nos ajudam
a pensar, a conversar e a tomar consciência e a consciência pode ajudar a mudar
a realidade.
Por isso, permitam-me que oriente a minha intervenção pela
consciência critica que em primeiro lugar nos deve nortear, no sentido de
ajudarmos a construir um novo país. Permitam-me então que comece pela raíz,
pelos mais novos, pelas crianças e jovens, para quem tudo isto é estranho, para
quem estas comemorações podem ter significado.
Permitam-me que fale daqui para todos, como quem fala para
crianças e jovens e ao contar a história breve da profunda transformação que se
operou a partir de 1974, ajude a entender a história recente do país.
Porque houve um ditador que durante meio século fez mergulhar
o país num profundo atraso económico, cultural e social, quase tão mau como o
que hoje assistimos. Um país guiado por Deus, que amava a pátria, quando jogava
o Eusébio e cantava a Amália e que vivia em torno da família, mas que morria na
miséria, de pão e de liberdade, em tenebrosa opressão. Num sistema de governo
de um homem só, em ditadura, como contraponto a um outro homem que em democracia
e em liberdade nos tem também marcado a vida, ora como ministro ou primeiro-ministro
e agora como presidente da República. Um homem político como tantos outros
destes últimos 40 anos, que nos têm conduzido a caminhos sem retorno. Políticos
que apesar de terem muitos recursos ao dispor da comunidade europeia, que
entretanto foi receptiva à nossa entrada, nos têm cortado a esperança e os
braços para trabalhar. Políticos que nos têm levado ao sítio onde nos
encontramos, tantas vezes sem ânimo e sem perspectivas de emprego, ou tendo
emprego, nos fazem viver, pobres e pouco honrados, por tantos roubos e esquemas
armadilhados.
Podem os jovens de hoje ter dificuldade em perceber estes
cruzamentos de história e de vidas políticas assim, mas fala-se de ditaduras
como a de Salazar, como se pode falar das ditaduras das democracias, que nos
esmagam de impostos, nos obrigam a muitos deveres e nos oprimem na ditadura do
capitalismo selvagem.
Podem os mais novos achar estranho falarmos assim se temos cama,
mesa e roupa lavada à custa dos país e se ainda por cima temos telemóveis e
smart-phones, e vamos aos shoping’s, comemos no McDonald’s, saímos aos bares
com os amigos e vamos andando. Podem até outros achar estranho porque não somos
felizes com tanta abundância que aparentemente nos rodeia, se antes se era
feliz com pouco.
O estranho desta história da história recente de Portugal é
que os ricos ficaram muito ricos e os pobres, uns ficaram remediados e outros
desempregados, tendo uns que partir de novo para o estrangeiro e outros
arrumar-se nas ruas vazias das inquietações, a morrer aos poucos.
O estranho desta história é perceber, porque é que tendo
modernos hospitais se morre tanto nos corredores, em nome da contenção, uma
palavra que veio, depois dos políticos de Portugal e do resto da Europa terem
usado o nome – Expansão. Depois de nos pressionarem durante mais de duas
décadas para que gastássemos, para que expandíssemos.
O estranho é ter escolas sem gente e gente sem alma e sem
esperança, porque os políticos que trouxeram até aqui o país, não descobriram
que o país só melhora, se os portugueses melhorarem.
Estranho é o Estado tirar dinheiro do ordenado aos pais dos
jovens, sempre aos que trabalham e não tirar às grandes empresas que fizeram
negócios chorudos em esquemas cruzados de interesses públicos e privados.
Tudo isto é estranho e é o fado do fardo que carregamos e que
às vezes já nem ligamos, porque quando ligamos as televisões é sempre a mesma
cantiga. Um fado dum país que não é para velhos, mas onde se teima em tirar aos
reformados cada vez mais das suas parcas reformas em nome de outras reformas
estruturais que não se fazem. Um país que não é para velhos, mas que está a
ficar velho e que manda os novos embora, depois de investir na sua formação.
Falar de abril aos jovens é contar-lhes a história recente de
Portugal e fazê-los perceber que não foi para isto que os capitães ousaram e
derrubaram um regime opressor. Falar de abril aos jovens é fazer-lhes entender
que não podemos regredir, que o futuro faz-se em direcção ao progresso e não ao
retrocesso. Que é possível todos fazermos esforços, mas sermos compensados pelo
que de bom fizemos e não sermos massacrados constantemente como ao que estamos
a assistir.
Que apostar no desenvolvimento cultural e no conhecimento não
é desperdício, mas investimento.
Falar de abril e tentar perceber porque é que Portugal, saindo
de um longo ciclo de pobreza, marcado pelo atraso e pela sobrevivência, voltou
a ver regressar a pobreza, agora, sem as redes das sociedades tradicionais. Com
um ordenado mínimo que vale hoje menos do que o de então e com direitos e
regalias conquistadas e deitadas agora a perder, num país com cada vez mais
desigualdades.
Chegados aqui, minhas senhoras e meus senhores, caros jovens,
ocorre citar Almada Negreiros _ "(...) quando eu nasci, as frases que
hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa -
salvar a humanidade." É o que ocorre dizer sobre Portugal. Todos sabemos
dos males, incompetências e das incongruências, das corrupções que minam o
sistema; dos males em excesso e dos bens em escassez, da nossa pequenez e das
nossas limitações, no meio das incompreensões. Todos sabemos que só nos
salvamos se houver mais empregos, porque só assim há progresso, se reduz a
emigração, se nasce mais e o país cresce.
Todos sabemos que o país só se salva se todos colaborarmos,
se formos empreendedores, se os políticos forem responsabilizados e se houver espírito de missão na política, e isto e aquilo. Todos temos ideias, todos os
levantamentos foram feitos, todos os projectos bem elaborados, todas as boas intenções definidas e delimitadas, mas falta então salvar o país e devolvê-lo
em bom estado às pessoas.
Falando assim, importa dizer, parafraseando Sampaio da Nóvoa,
“Não podemos prescindir nem de liberdade nem de futuro”. E nesta história
triste que vamos contando e assistindo, só fará sentido falar de liberdade e de
futuro se for devolvida às pessoas a sua dignidade social. Porque as pessoas
não são número e porque temos de mudar trajectórias teimosas que não nos levam
a bom porto.
Porque o país está doente, o nosso concelho de Seia não pode
estar de perfeita saúde. E se nos últimos 40 anos tivemos melhores e piores
governos, todos constatamos que o actual governo é de longe o maior de má
memória, porque nos enterra vertiginosamente a cada dia que passa e nos
inferniza a vida, provocando ao país o maior retrocesso histórico e
civilizacional de que há memória.
Um governo insensível e governantes impreparados, numa deriva
liberal, de ideologia de direita, que teima em esmagar o povo com impostos e
outras obrigações, defendendo grandes interesses instalados. Um governo que
teima em não dar prioridade às vias de comunicação para a nossa região. Que
desfere o maior ataque alguma vez visto ao Poder Local, que são a Câmara e as
Juntas de Freguesia, cada vez mais limitadas na sua acção de bem-fazer pelas
comunidades. Os órgãos do Poder local são os mais próximos das pessoas e são
aqueles que mais têm sido atacados, para além das ameaças de esvaziamento de
serviços públicos a funcionar na nossa cidade.
É preciso estarmos atentos e vigilantes e não permitirmos o
esvaziamento do nosso Hospital, do Tribunal, do Centro de Emprego e das nossas
escolas, porque isso significa abandonar as populações do Interior à sua sorte
e assim condenar este território à morte. Temos o direito à indignação, essa
grande conquista de abril. E quando todas as vias do diálogo estiverem
esgotadas, não devemos ter receio de sair à rua reclamar e escancarar as portas
que abril abriu, porque Portugal e Seia têm futuro e ele também depende de cada
um de nós. Daquilo de que formos capazes. O país precisa
de mudar de rumo, o governo tem de ser mudado, para que a esperança prevaleça.
Mário Jorge Branquinho
Partido Socialista de Seia
25 de Abril 2014
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