sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Plano e Orçamento do município de Seia para 2017


O meu discurso na Assembleia Municipal de Seia, realizada neste dia 23 de dezembro, a propósito do Plano e Orçamento do município de Seia para 2017:


"Como acontece todos os anos por esta altura, somos aqui chamados para discutir e votar o Plano de atividades e orçamento da Câmara Municipal de Seia para o próximo ano.

Este é sempre um momento oportuno para nos pronunciarmos sobre as principais linhas a seguir durante o ano.

E o que vemos é um orçamento realista de quase 20 milhões de euros, considerados suficientes para fazer face aos desafios que aí vêm num ano que vai marcar o arranque de obras com financiamento comunitário, do chamado 2020, que já vem atrasado em 2 anos.

Naturalmente que as grandes fatias vão para os serviços de águas, saneamento e resíduos, cujos montantes representam cerca de 27% do valor global; para as operações de dívida autárquica, que representam 26 e meio por cento; Industria, comércio e energia (9,19%) e ação social (7,84%).

Na análise aos documentos, verificamos as outras áreas com dotações significativas, numa lógica que nos parece de ter de se fazer muito com os poucos recursos disponíveis. Numa lógica atenta a algum pequeno desafogo financeiro, já que o município tem sido cumpridor, no abatimento de divida, lucrando aos poucos nalguns acrescentos orçamentais e poupanças. Da segunda renegociação da dívida com os bancos, por exemplo, resultam igualmente alguns ganhos para o município.

Por isso, as execuções orçamentais apontam para um aumento gradual do investimento público municipal, sobretudo através do lançamento de programas e ações direcionadas para as famílias, o incentivo à fixação da população, à captação de investimento e criação de emprego, com diminuição continuada e sustentada da dívida, como já referi.

Uma nota também de destaque para o Orçamento Participativo que pela primeira vez consta do Plano e Orçamento e que permite aos cidadãos dão sugestões de projetos, ideias e ações no quadro do desenvolvimento local.

Evidentemente que estamos aqui para analisar as propostas para 2017, mas temos de espreitar os anos seguintes, já que se iniciam agora planos para vários anos, como é o caso do PEDU, que é o Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano, que se prolongará nos próximos anos e que trata investimentos de mais de 10 milhões de euros, dos quais 4 milhões 250 mil na primeira fase, até 2018. Um plano que será uma oportunidade única de mudar a cidade para melhor, uma cidade que é para onde tudo drena, um centro aglutinador que tem de ter todas as condições para se viver com qualidade.

Por isso, este é um tempo novo que vivemos, com nodos e diferentes desafios e que exigem cada vez mais criatividade e espírito empreendedor e diria, revolucionário. Para mudar, para fazer o que falta.

Naturalmente que vivemos um tempo novo no quadro da gestão autárquica, onde se servem novas formas de governação, assente numa visão cada vez mais alargada aos outros municípios. Numa lógica de comunidade, para ganhos de escala e de eficiência, como são as várias iniciativas decorrentes da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela, que vão desde o combate ao insucesso escolar, à rede de mobilidade e transportes, ao Ordenamento do território, aos equipamentos culturais e desportivos, à programação em rede, à promoção turística de todo o território. O próprio Plano de eficiência energética, referente à iluminação pública na Comunidade dos 15 concelhos assim como no investimento para intervenção em caso de catástrofes, unidades móveis de saúde, entre outros.

Ou seja, para além dos planos e orçamentos dos municípios, numa lógica centrada em cada concelho, há o plano e orçamento da CIM das Beiras e Serra da Estrela, numa lógica integrada dos 15 concelhos.

É esta nova visão que importa sublinhar, quando falamos de desenvolvimento local, onde os vários municípios estão condenados a dialogar entre si, para fazer mais e melhor, com menos recursos para as suas comunidades, mas com mais determinação e espirito alargado.

Outra realidade tem a ver com o Programa Nacional para a Coesão Territorial, um trabalho notável que resultou da ação da Unidade de Missão para o Desenvolvimento do Interior do país, lançada pelo governo e chefiada pela professora Helena Freitas.

Ou seja, há novas frentes que se abrem e que dão confiança às Câmaras do Interior do país, para abrir novas frentes de desenvolvimento.

Tudo isto porque é preciso incentivar as dinâmicas de especialização inteligente de âmbito local e sub-regional e que deverão ser apoiadas no conhecimento e na inovação produzida pelas instituições de ensino superior e na massa crítica que agregam e que disponibilizam para alimentar estratégias inovadoras e sustentáveis de desenvolvimento local e regional.

Seia tem de saber tirar partido disto mesmo, das novas medidas de valorização do interior, da necessária dinâmica a empreender e dos novos caminhos a seguir. Depois de um governo que apertou em demasia as autarquias, e quase as asfixiou, renasce a esperança e por isso é nosso desejo que a partir deste ano, em que se assinalam os 40 anos de Poder local, se abram novos rumos e novas frentes de desenvolvimento.

Mas que ninguém se iluda, este é um momento que exige de todos nós, Câmara, juntas, assembleias, empresas, coletividades, escolas, demais entidades e pessoas em geral, capacidade de dinamismo e criatividade, numa altura em que se ultrapassou a febre do betão, para dar lugar ao imaterial, à inteligência, à criatividade. Ou seja, a partir de agora é mesmo - mais miolo e menos tijolo.

O que se propões agora é uma nova abordagem de base local, mais colaborativa e mais próxima, que promova uma participação ativa e um envolvimento empenhado de autarquias locais, comunidades intermunicipais, associações, empresas e pessoas, na construção de um interior mais coeso, mais competitivo e mais sustentável.

Seia tem tudo para dar certo, arrumou as contas, consolidou obras, eventos e rumos, tem agora de dar azo a novas frentes, a novas ideias, projetos e ações, numa lógica de envolvência das populações. E além do mais, há confiança e esperança, condições essenciais para o desenvolvimento.


Seia é uma marca forte, com capacidade de atração de investimento e esse é o caminho, sem que ninguém deixe de fazer o que lhe compete. Todos temos uma missão a cumprir, sobretudo quem está na causa pública."

#seia 

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Nas asas de um sonho, Conto de Paulo Marques


O meu texto de apresentação do livro Nas asas de um sonho, de Paulo Marques:

 Na apresentação do livro, no Auditório da Casa da Cultura de Seia, com Susana Amaral, o autor Paulo Marques e Susana Freitas

Fez há pouco um ano, em setembro, que Paulo Marques apresentou o seu primeiro livro, O Sentimento de Viver a Emoção de Sentir. Uma obra em torno dos sentimentos e das emoções, numa perspetiva de potenciar o que há de bom em cada um de nós, num registo quase missionário de como ser feliz, explorando a natureza dos impulsos e das correntes primárias que brotam das pessoas, na sua singularidade.

Passado pouco mais de um ano, Paulo Marques, para quem escrever é uma paixão, presenteia-nos, à entrada da época natalícia, com um conto que nos leva para um mundo de magia e de fantasia, voando nas asas do sonho, explorando sentimentos e definições aprimoradas, indubitavelmente tão necessários.

Um livro singular, na linha de tantos contos contados, ancorado aqui no propósito de levar o leitor a sonhar, a imaginar e a refletir a partir do encontro de uma criança com a figura simbólica de embalar: o Dragão, esse doce gigante de histórias de encantar. Um pequeno conto, de tamanho grande, que vai ao fundo da leveza dos termos que animam, acompanham e impelem ao amor e a outros sentimentos de reputada significância.

Para mudar o mundo, costuma dizer-se, é preciso sonhar acordado, e aqui a inspiração vai nesse sentido, voando em pensamento, nas asas do vento, descodificando o que há para descodificar. Nesta viagem curta e ternurenta há uma forma de despertar sentimentos básicos, em diálogo corrido e breve. Uma conversa onde o autor coloca na voz de uma criança conceitos simples para os adultos lerem e melhor compreenderem.

Escrita simples, simbólica, fortemente moralista, respaldada em definições fáceis e descortináveis, mas fortes e fartas na imprescindibilidade dos termos, com foco maior no amor. A ponto de expressar que “o amor é o remédio para as doenças, só ele cura verdadeiramente” (p. 20). Ou a ponto de acrescentar que “as pessoas que mais magoam, são as que mais precisam de ajuda”, não deixando de aludir ao facto de “não termos o direito de julgar, cada um de nós dá o melhor de si” (p. 26). Do mesmo modo, quando a menina Matilde diz ao Dragão que a “maior prova de amor que alguém te pode dar, é regressar a ti, depois de ter ido embora”. Ou ainda quando diz que “é bom quando as coisas acabam, pois dá oportunidade para que outras novas aconteçam”. A mesma Matilde que, mais adiante, refere, na simplicidade de um olhar imaginário, que “a tristeza e as lágrimas servem também para libertar o que sentimos, (…)”, (p.31). 

Um conto para crianças que os adultos devem ler e interiorizar, como se percebe nas entrelinhas ser a intenção do autor, ou não se autodefinisse Paulo Marques como um facilitador. Por isso, e na linha do que o autor já nos vem habituando, esta é uma escrita de assuntos sérios, que ditada assim, redunda em compreensão alargada e facilitada. E alastrada em sentidos, reinscrevendo-se em lições e auto-retratos, que nos conferem responsabilidades morais acrescidas, levando-nos nas asas dos sonhos ao encontro do que somos, em direção ao bem, em contraponto ao mal. Porque há sempre lados opostos e “(…) há sempre hipótese de um desses lados ajudar o outro, ou seja, mostrar o amor”, como se lê na página 19.

O medo, sentimento negativo, muitas vezes infundado, é também aqui desconstruído na pessoa da pequena Matilde. A presença de um ser diferente, grande no tamanho, não lhe inspirou qualquer sentimento negativo pois, como ela diz “eu gosto de cada pessoa porque não há ninguém igual”. A frase e as que a antecedem alertam, na sua simplicidade, para o respeito do que é diferente e o facto de se ser diferente não é merecedor de medo. A amizade que une dois seres é possível na diferença entre os mesmos. E é o amor, entendido em sentido lato, que pode salvar o mundo, unir os opostos, ultrapassar a dor. A morte é aqui relativizada como algo que faz parte da vida e compreendê-la é também um sinal de amor pela libertação necessária. Nesta visão, assente na existência de tamanho sentimento, nada se torna impossível. Basta desejar, ter vontade de e acreditar. E amar é também libertar.
Assim, o autor vai decifrando sensações, rebuscando definições até deixar em nós um leve trago de curiosidade e um reflexo impulsivo de ir também através do vento, para fazer de nós mais felizes, entrecortando o real e o imaginário.

Há nesta escrita de Paulo Marques um questionar por dentro, numa história simples, de amor e de vida, despertando curiosidades, por entre frases e contextos narrativos, numa adesão a verbos e princípios, num quase universo de paz e de serenidade.

Quase como no Principezinho, de Saint-Exupéry, deambulando no profundo, simples mas complexo emaranhado de sentimentos, vemo-nos a interpretar códigos e a refletir assuntos de vida, neste caso com o amor à cabeça e bem no centro desse universo restrito e denso. História escorreita, respaldada na teia simbólica de códigos, aqui e ali desfeitos em apelos e desembaraços, reencontrando bastas vezes a chave do caminho certo. Mesmo quando a Matilde se despede do Dragão, rematando docemente que “Não é por ir embora que deixo de te amar” (p. 35).

Por aqui se vê que esta é mais do que uma história infanto-juvenil de “era uma vez”, uma vez que, através dela, podemos ler e sonhar e imaginar um encontro entre dois seres diferentes, que em pouco tempo criam laços e amor entre ambos. Uma história entre o real e o imaginário, para quase concluir que “só importa aquilo que somos e sentimos”.

Em jeito de síntese, este é um pequeno momento para sonhar, para viajar pelo mundo das emoções e dos mais nobres sentimentos, como que para celebrar o amor pela vida. Como que para espalhar a consciência dessa vida e desse amor alado, para quem acredita. Como quem acredita na sensibilidade e nos valores. Valter Hugo Mãe, no seu último livro Contos de cães e maus lobos, diz a dada altura que “as crianças entendem o que nós já deixámos de entender”, o que neste conto de Paulo Marques se aplica na perfeição, numa escrita onde se expressa a vontade de voltar a entender, o que redunda na forma de manter a capacidade de amar.

Enfim, introitos e motivos para nos prender à leitura, na emoção dos sentidos. E assim vamos, andando e lendo, nas asas de um sonho, como num conto de fadas!

Uma história curta, emotiva e sentida, enriquecida com as ilustrações de Ana Romão, que são um contributo valioso para tornar a obra ainda mais apelativa e enriquecedora. Ilustrações que nos facilitam ainda mais a entrar nesse universo criado por Paulo Marques, na mistura daquilo que pensamos, com aquilo que lemos e vemos ilustrado.

Ana Romão é ilustradora freelancer e vive na área de Lisboa, Portugal.
Possui Licenciatura em Artes Plásticas pela FBA Universidade do Porto, Mestrado em Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias pela FCSH Universidade Nova de Lisboa e Mestrado em Educação Artística.

A publicação é da Sana Editora, um projeto literário para a edição de livros e outras publicações para públicos diversos e diferentes géneros literários.


Mário Jorge Branquinho

Seia, 18 de dezembro 2016

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Mário Branquinho _ A surpresa dos amigos


Guardo aqui o filme do Eduardo Galguinho e voz de Ricardo Alvo, para memória futura, a propósito da surpresa que os amigos da Associação de Arte e Imagem de Seia me fizeram na última edição do festival ARTIS 2016, a 7 de Maio.

sábado, 1 de outubro de 2016

Vila Cova (Seia): Uma história multissecular de António da Silva Brito



Antes de mais, quero dizer que é uma honra para mim ter sido convidado pela família do Prof. António da Silva Brito para apresentar o livro escrito pelo mesmo. Uma honra e um enorme desafio, esperando poder estar à altura da qualidade da obra apresentada, do prestígio de quem a escreveu e do convite formulado.
Foi em meados dos anos oitenta que eu me cruzei com Silva Brito, era eu um jovem agente e animador cultural a dar os primeiros passos, sobretudo no associativismo juvenil. Foi, de resto, o movimento associativo que nos juntou num projeto comum: a criação da Inter-associações do concelho de Seia, eu na qualidade de Presidente da Associação Recreativa e Cultural do Sabugueiro e Silva Brito enquanto Presidente do Centro Juvenil de Vila Cova. Uma estrutura que agrupava perto de 100 coletividades do concelho e que procurava elaborar projetos comuns, numa perspetiva de desenvolvimento cultural inclusivo e abrangente. Uma estrutura que coordenou actividades, lançou projetos e ideias novas, estimulou o associativismo e criou campo fértil para a melhoria no desempenho dos vários dirigentes associativos do concelho de Seia.
Mais tarde, encontrámo-nos noutros projetos, incluindo os jornalísticos, quando Silva Brito foi diretor do jornal Porta da Estrela e eu um modesto colaborador.
Entretanto, em 1996, convido-o para escrever o prefácio do meu primeiro livro, Sentido Figurado, o que muito me honrou, um livro cuja capa foi concebida por Sérgio Reis. Uma honra redobrada anos mais tarde quando, em março de 2015, Silva Brito aceita fazer a apresentação do meu terceiro livro, Estranhos Dias à Janela. E quanto empenho Silva Brito colocou na análise desta obra!
E assim nos fomos cruzando e partilhando ideias, na doce descrição de um intelectual que este ano o concelho de Seia perdeu.
Agora cheguei aqui e espero estar à altura de lhe retribuir expressando algumas palavras acerca uma obra riquíssima, cuja leitura se recomenda e, quem sabe, um dia servir de mote para espetáculos de teatro comunitário ou para reflexão sobre vários aspetos de desenvolvimento local.
Um livro que dignifica quem o escreveu, ainda que publicado após o seu desaparecimento do mundo dos vivos, que o autor dedicou à sua família “para que a ligação às raízes nunca se extinga”.

Um livro que nos apaixona na leitura, prendendo-nos às histórias contadas, numa longa viagem de séculos, devidamente enquadradas nos contextos históricos e respaldadas no empenho, engenho e arte do escritor, aqui feito historiador.
Uma monografia de Vila Cova de Seia cujo exemplo pode muito bem ser seguido por outras personalidades, para enriquecimento do património cultural do nosso concelho. Neste sentido, este livro expressa o seu contributo.
Na leitura desta obra dei por mim a decifrar os códigos descritos por Silva Brito e a viajar na história. Partimos assim numa expedição onde Silva Brito nos descreve vivências com muitos séculos, ou melhor, uma sucessão de histórias multisseculares sobre Vila Cova de Seia.
Silva Brito convoca-nos para essa tal viagem de memórias que começa nos primórdios da nacionalidade até aos nossos dias. Viagem com marcas nos campos, nas casas, nos monumentos, nas praças, nas ruas, onde ainda hoje nos reencontramos com a história do lugar. “Histórias de vida, esforço e ambição, de milhares de pessoas anónimas, de todas as condições, que deixaram, cada um a seu modo, uma pedrinha, mais ou menos decisiva na construção da nossa casa comum”, como se pode ler na lombada do livro.
Silva Brito começa por ir às raízes, aos primórdios de Vila Cova, por trilhos e anotados caminhos, buscando, nos arquivos e nas obras publicadas, em aturado estudo e paciente dedicação, respostas a perguntas para trazer à luz deste século XXI um estudo importante sobre esta localidade situada nas margens do rio Alva.
Uma monografia cientificamente irrepreensível, uma obra que dignifica um povo, enfim, um aturado trabalho histórico para os vindouros, a partir deste presente emergente.
Contudo, o escritor, aqui na pele de historiador, interroga-se várias vezes na decifração de fenómenos, começando precisamente nos vestígios que apontam para a ocupação do local na época romana, no sítio das Cabeças. Quem sabe assim se esta obra poderá incentivar novos estudos sobre a ocupação romana do nosso território, como aliás sugere o autor: “quando se fala de ponte romana de Vila Cova, esta convição precisa de ser suportada em estudos adequados. O que sabemos - acrescenta - é que é pelo menos medieval, dos séculos XII e XIII. E como sustenta o mesmo “devia ser classificada de imóvel de interesse público e vedada a trânsito pesado”.
Como refere o autor, Vila Cova constituiu-se como um agregado populacional de pequena dimensão, por volta dos séculos X e XI. Vila Cova era um núcleo de agricultores que aqui se estabeleceu, que ganhou estrutura e identidade próprias com o passar dos tempos. Era uma villa como tantas outras, com gente que labutava nos campos. Há um ano de referência,1138, numa carta do príncipe Afonso, onde é feita a primeira alusão ao topónimo Vila Cova, o que não quer dizer que não tenha sido habitada antes.
A palavra villa vem do Latim quinta, terreno de exploração. Daí, ainda hoje, os lugares “cimo da vila” e “fundo da vila”. E a palavra Cova com o sentido de concavidade ou depressão tem a sua razão de ser na orografia do local.
No século XVI, surge uma referência a Vila Cova à Coelheira, tendo-se registado a partir daí alguma confusão com um nome idêntico ou igual relativo a outra Vila Cova à Coelheira. Por isso, Silva Brito recomenda na sua obra aos órgãos autárquicos que se ocupem desta questão toponímica. Há mesmo um documento importante, que remonta às Inquirições Gerais de 1258, que comprovam a toponímia de Vila Cova.
E nessa viagem rápida que vos trago em jeito de síntese, através da leitura apaixonada do livro de Silva Brito, apresso-me a dizer que, de 1496 a 1527, a população aqui cresceu 91%! Em 1585, terá passado para o domínio dos Marqueses de Gouveia.
Trazendo algumas novidades do livro à luz destes dias, em termos de património religioso, sublinho o facto do templo de Vila Cova ter sido edificado no século XIII. A Igreja encontraria local definitivo onde é hoje o cemitério, aí se mantendo até alvores do século XX. E claro, o orago, é, desde sempre, São Mamede. Da igreja primitiva sobrou a atual capela do cemitério, a que corresponderá uma parte do primitivo templo.
Já a capela do Santíssimo Sacramento remonta ao século XVI.
Ainda outro templo da Freguesia, que atesta a profunda religiosidade da população, foi, durante séculos, a capela de São Pedro, existente no local onde desde o início do século XX está implantada a atual igreja.
Da instituição paroquial de Vila Cova pouco se sabe até ao século XVII. Foi um longo percurso até passar a ser paróquia de facto e a ter o seu próprio cura, que era indicado pelo vigário de Santa Maria de Seia. Desde os alvores da nacionalidade até 1882, Vila Cova pertenceu à Diocese de Coimbra, passando, neste ano, para a Diocese da Guarda. Desde os alvores do século XIII pertenceu ao Mosteiro de Santa Cruz.
No lugar da Praça existiu um Pelourinho, onde teriam também existido a Cadeia do concelho e a Câmara, até finais do século XIX, princípio do século XX. Hoje, há uma peça que comprova tal existência à entrada da sala da Junta de Freguesia. Em 1974, a Junta mandou construir um Pelourinho, mas este tem pouco a ver com o antigo.
Entretanto, refere Silva Brito, a antiga casa da Câmara e a Cadeia foram adquiridas pela D. Ana Clementina. Esta alienação e posterior reconstrução fizeram perder mais um símbolo da velha autonomia da vila.
Da leitura da obra, uma outra referência se impõe e que tem a ver com as visitas pastorais, nos séculos XVII, XVIII e XIX (1612 – 1830), porque “assim os bispos vigiavam o estado de conservação das igrejas e controlavam o seu património.
Continuando a viagem histórica multissecular de Silva Brito, Vila Cova foi reconhecida como estrutura municipal enquanto freguesia e concelho rural autónomos desde o século XIII, até precisamente ao ano de 1836, altura em que passou a pertencer ao concelho de Sandomil, até 1855. Dezanove anos, portanto, passando posteriormente a integrar o Concelho de Seia. Ou seja, terá sido concelho desde o século XIII até à primeira metade do século XIX. E assim, ao longo dos tempos, Vila Cova contou com um ou dois Juízes, Vereadores e um Procurador, além de outros magistrados.
Deliciosa é também a descrição de como eram eleitos os vereadores, mas isso, deixo para lerem a partir da página 209!
Nas mudanças administrativas, cabe o destaque para a Junta da Paróquia de Vila Cova, antepassadas das Juntas de Freguesia, criadas em 1830, com um Regedor, um Secretário e um Tesoureiro, para gerir os bens da Paróquia. Posteriormente, passou a ser composta por um Presidente, que era o pároco, um Secretário e dois membros eleitos, já que, com o fim da Câmara, esta responsabilidade passou para este órgão.
Nas delícias bem contadas, aprimoradas e contextualizadas nas épocas por que o nosso país passava, ficamos também a saber como foi construída, em 1815, a Levada Pública, assim como nos retemos nas recambolescas histórias do conflito com a Empresa HidroEletrica da Serra da Estrela, por causa da utilização das águas do rio Alva. Estávamos em 1934, ano em que se negoceiam as contrapartidas e é salvaguardada a questão do caudal para a rega das propriedades. Decorrem negociações com advogados, engenheiros, a empresa, o povo e a Junta de Freguesia. E até o Governador Civil da Guarda, Borges Pires, se dispõe a mediar o conflito, mas sem efeito. Chega a ir de Vila Cova uma delegação ao Ministério das Obras Públicas a Lisboa. Avançam as obras, continua a controvérsia e há, inclusivamente, registo de uma carta enviada a Salazar dando conta do desagrado. Em 1938, continuam as obras e continua a faltar a água nos campos. Surgem, entretanto, levantamentos populares e expressões como “Bota a baixo que a água é nossa”.
A luta valeu a pena e a Levada Pública sobreviveu.
A Central de Vila Cova tinha sido inaugurada em Janeiro de 1937 e a inauguração da Luz nesta terra ocorreu em 17 de janeiro de 1938, ou seja, um ano depois da entrada em funcionamento da Central.
No livro de Silva Brito também se refere a atividade mineira, das areias do rio Alva que teriam ouro e da extração de Volfrâmio e de Estanho, por alturas da Segunda Guerra Mundial. Era tempo de guerra, havia muita pobreza e privação. A mina do Volfrâmio localizava-se no sítio dos Vales.
Entretanto, um à parte, para dizer que em 1951 foi inaugurada a Casa do Povo, onde funcionavam vários serviços e, na parede exterior da mesma, chegaram a ser exibidos filmes ao ar livre!
E assim, nesta viagem que vos trago muito resumidamente, chegamos ao quadro dos lanificios, uma atividade artesanal que cedo evoluiu para uma produção industrial e que marcou uma época na história de Vila Cova. No século XIX e início do século XX, havia em Vila Cova tecedeiras e tecelões que disso faziam atividade habitual. No início do século XX, instalou-se uma unidade industrial têxtil, pertencente a Joaquim Silva Abranches. Por essa altura, M. Amaral Marques fundou a Fábrica do rio Alva. Em 1937, esta unidade empregava 40 pessoas. Nas primeiras décadas do século XX, forma-se a Martinho Fael e Moura, Lda. que viria a dar sustento a quase 200 pessoas. Em 1981, sucedeu na empresa Célio Martinho. Modernizou-a, passando a designar-se Lanificios Martinho. Em 2004, o neto, Amândio Martinho, tomou o difícil encargo da sua gestão até à sua liquidação.
E assim vamos chegando aos nossos dias, passando por referências à existência de Tele-escola, desde 1969 até 1973, por iniciativa do Padre Jaime Carvalheira; às vias de comunicação; ao edifício das Repartições Públicas de Vila Cova; às redes de água, saneamento e ETAR; aos equipamentos desportivos e de lazer.
Igualmente referências incontornáveis ao associativismo em Vila Cova, registando-se na segunda metade do século XX, nos princípios da década de cinquenta, a criação do Rancho Folclórico “Estrela D’Alva”.
E claro, o Centro Paroquial de Cultura Juvenil, criado em Setembro de 1967, de que Silva Brito foi principal impulsionador.
A matriz essencial da ação do autor era fazer e divulgar a cultura, em todas as suas vertentes, da popular à erudita. Começou com uma Biblioteca, a publicação do Boletim “Rumo ao Alto”, a criação de um Rancho Juvenil e de um Grupo de Teatro, este considerado o mais duradouro e mais sério dos projetos culturais do Centro. O Grupo teve um longo e rico historial, tendo inclusivamente representado o Distrito da Guarda, em Lisboa, na XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura, em maio de 1983, além de levar o teatro a muitas aldeias e cidades do centro de Portugal.
Realizava sessões de cinema com regularidade, recorrendo a exibidores ambulentes e à Fundação Caloustre Gulbenkian.
A dinâmica Cultural do Centro, de que Silva Brito era a verdadeira mola real, levou igualmente à criação do Grupo de Cantares “Águas Novas” que depressa ganhou notoriedade, sendo requisitado para muitas digressões pelo país, chegando a atravessar a fronteira, em 1988, para atuar em Contrexeville, no contexto do ato de geminação desta cidade francesa com Seia e com o Luso.
Ao longo de um quarto de século de atividade, o Centro Cultural de Vila Cova levou a cabo inúmeras atividades culturais, recreativas e desportivas – colóquios, exposições, passeios, festivais de música tradicional e coral, concursos literários, classes de dança, jazz, entre outras. Uma das mais originais e surpreendentes foi a existência de uma estação de rádio, com o nome de “Rádio Horizonte”, que funcionou entre abril de 1987 e janeiro de 1989.
No campo associativo, regista-se também a Associação Operária de Vila Cova, fundada em Outubro de 1974, mais vocacionada para a área do desporto.
Outros factos e marcos descritos na obra poderiam ser sublinhados, sem haver a pretensão de qualquer secundarização dos mesmos, mas trata-se de uma impossibilidade dada a dimensão da obra e o objetivo desta apresentação no sentido de evidenciar as inegáveis qualidades do autor, quer enquanto escritor quer como homem da terra que o mesmo procurou preservar através de um importante testemunho público. (podes terminar o texto com uma frase dentro deste género para não quebrar logo o texto ou as descrições feitas, parece-me mas vê o que achas melhor)
E assim se completa a viagem, interrompida na fase de apresentação pública e que hoje aqui cumprimos, nesta cerimónia simples e singela, tão simples e tão ao jeito da personalidade de Silva Brito.


Mário Jorge Branquinho
Vila Cova, 1 de outubro de 2016


quinta-feira, 29 de setembro de 2016

CineEco 2016, com filmes que podem mudar o mundo



De 8 a 15 de outubro, Seia volta a ser a capital do cinema ambiental em Portugal, com a realização da 22ª edição do CineEco 2016. Durante oito dias, a Casa da Cultura acolhe sessões, de manhã à noite, em várias competições e sessões especiais. São quase 100 filmes de 20 países para olhar o mundo e procurar mudar hábitos em prol de um futuro sustentável.


O cinema e as questões ambientais dão, mais uma vez, o mote para o encontro em Seia do público com realizadores e diretores de festivais de todo o mundo e outros agentes culturais, proporcionando momentos de partilha e sã convivência.

O tema central da edição deste ano, relativamente à programação, tem a ver com a questão dos perigos da energia nuclear, que estará em foco em diversas sessões e debates. O acidente de Chernobyl faz agora 30 anos e por isso estará em foco no festival. Uma atenção também centrada na Central de Almaraz, que levanta questões de segurança as quais devem ser tidas em conta pelas autoridades portuguesas no que concerne aos riscos de rutura desta central.

No festival será igualmente assinalada a passagem dos 40 anos após a criação do Parque Natural da Serra da Estrela, através de um workshop e de uma conferência, com a participação de figuras de referência no âmbito da temática do potencial paisagístico a preservar.

No rol de atividades paralelas, cabem ainda, um concerto de olhos vendados, com Luís Antero, para ouvir os sons da natureza; uma exposição de pintura e escultura, caminhadas à serra, provas de vinhos e debates pontuais.

As escolas vão marcar presença no festival, assistindo a sessões direcionadas, mas o CineEco também vai às escolas. Desta feita será exibido um filme infantil nos centros escolares e será realizado um workshop sobre cinema e ambiente, com convidados.

O Festival de Cinema Ambiental de Buenos Aires - FINCA será o convidado do CineEco, na linha das boas relações estabelecidas entre o festival de Seia e os restantes 35 festivais que compõem o Green Film Network.

São várias as propostas oferecidas e fáceis os caminhos para Seia, ao encontro desta festa do cinema, onde todos serão bem recebidos e onde a natureza combina com os afetos.

Mário Jorge Branquinho
Diretor
www.cineeco.pt 

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Comunidade Intermunicipal promove debate sobre os acessos ao maciço central da Serra da Estrela


Agora fala-se de planos de prevenção de fogos florestais e de como combater o flagelo em tempo de “guerra”, com os fogos aí na ordem do dia, neste Verão quente de 2016.
Entretanto, aproximamo-nos de mais um Inverno e tão depressa teremos o assunto dos acessos ao maciço central outra vez na comunicação social, onde se fala do corte de estradas na sequência da queda de neve. Uma situação com mais de trinta anos e que ano após ano é recorrente.
Por isso, a Assembleia da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela, a que presido, vai realizar um debate no próximo dia 9 de Setembro, no Auditório da Torre, de acordo com a seguinte nota de imprensa:




“Assembleia da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela promove debate na Torre sobre os acessos ao maciço central

No âmbito das suas atribuições, a Assembleia da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela (CIM-BSE) em colaboração com o Conselho da respetiva CIM, vai organizar no próximo dia 9 de setembro, pelas 10 horas no Auditório da Torre, um debate sobre os acessos ao maciço central da serra da Estrela. 
O Ministro das Infraestruturas de Portugal, Pedro Marques foi convidado para participar neste debate para o qual estão também convidados os Presidentes de Câmara e deputados da CIM das Beiras e Serra da Estrela, deputados eleitos pelos distritos de Guarda e Castelo Branco, Presidentes de Juntas de Freguesia, Turistrela, Turismo do Centro, empresários, forças policiais e de Proteção Civil, entre outros. 


No entender da Assembleia, esta será uma jornada de elevada importância e uma oportunidade para juntar vários intervenientes e procurar respostas para um problema que prevalece há várias décadas e com consequências para a imagem e economia da região. 
Com as alterações climáticas, tem diminuído de forma acentuada a queda de neve na serra da Estrela, mas mesmo assim, sempre que cai neve, são cortados os acessos ao maciço central, impedindo o acesso das pessoas àquele ponto. 
O que fazer então para promover a mobilidade na única estância de esqui em Portugal? 
Este é o desafio do debate que a Assembleia da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela vai realizar na Torre, a quase dois mil metros de altitude.”




quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O Real e o Fantástico de Luís Rente em Trancoso nos anos 60



“Entre o Real e o Fantástico – Memórias de Trancoso nos anos 60”, é o título da mais recente publicação de Luís Vieira Rente, onde relata episódios da sua infância e adolescência que viveu na terra de Bandarra.



Numa escrita leve e descontraída, às vezes com travo de sátira e humor subliminar, Rente inscreve recortes de prosa apurada e simultâneamente travos de storytelling, por entre uma narrativa corrida de histórias de sua vida enquanto jovem. Histórias de vida banais, em Trancoso, como em tantos lugares recônditos, de um país soterrado em expedientes de vida difícil, onde perpassam alegrias e feitos de quem se contenta com pouco.
Uma escrita escorreita, onde num quadro real se contemplam descrições de vizinhanças, andanças e locais míticos, colocando ênfase nos primeiros estudos e episódios de juventude de Rente, para quem a origem do apelido contínua envolta em mistério.
Nesta escrita, entre episódios reais e outros tantos disfarçados de fantásticos, espreita a hilariante descrição de episódios de vida simples, onde pontuam pessoas e lugares que marcaram a época. Quem é de Trancoso e tem mais de quarenta, revê isso mesmo, lugares e pessoas. Quem não é, como eu, entra num universo de histórias encantadoras. Simples episódios, como as que rodam à volta da Pacheca, o autocarro da Companhia Manuel Pacheco, que diariamente fazia o percurso Lamego – Guarda e retorno, onde iam e vinham encomendas, sobre o olhar atento do cobrador, ”um homem honestíssimo, o senhor Araújo de seu nome”.
Ingredientes bastos, entrecruzando entre os tempos livres, o desporto e o clube da terra, as peripécias e os jogos, os homens que passaram e fizeram história, ou as mulheres simples e influentes na vida da vila, como a cabeleireira, a modista ou a professora. O café, lugar de encontro e afetos, o Senhor da Pedra, altar de celebrações da Primavera e deambulações diversas.
Na segunda parte do livro, entra o fantástico onde resultam “personagens de recriação romanesca, vagamente inspiradas em figuras reais”, como o autor alerta, redundando em “coincidências fortuitas” com a realidade.
Por onde se deambula pelo Louva-a-deus, descrevendo-se o “Turinho” barbeiro; o “bom vivant” do Sargento; a Chefe dos Correios “senhora esmoler”, de grande dedicação e amor à arte; o Ângelo da Fonseca, outra figura típica e conhecida por feitos e desventuras, ou o Manel Sampedro, que tivera uma vida faustosa, entretanto dissipada. As descrições em torno do Zézinho Pombal, funcionário público, que se reformou da máquina de escrever e do ofício com o surgimento dos computadores; o Bitobá, considerado “um tipo porreiro”, sem horário para “despegar” do trabalho ou o Artur que sonhava ter uma Florett, um brinco de moto que acabou por ter, e perder mais tarde, com a própria vida, debaixo de um camião.
Assim se lê e se percebem episódios da vida de Rente na infância e juventude, como quem lê histórias simples de uma vila, numa escrita escorreita, leve e fresca, por entre o real e o fantástico descritos e separados.
Resta acrescentar que Luís Vieira Rente, embora nascido no Brasil (1956), viveu a sua infância e adolescência em Trancoso. Vive em Seia desde 1982, onde é professor do quadro de um dos agrupamentos de escolas da cidade. Licenciou-se em História (1979) e concluiu Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses (2003) com dissertação editada pela Câmara Municipal de Seia “O Marcelismo e o 25 de Abril vistos em dois jornais locais – Subsídios para a história recente de Seia (1968- 1975)”.

Mário Jorge Branquinho
Jornal Terras da Beira, 4 de Agosto de 2016








sábado, 23 de julho de 2016

O desenvolvimento de Seia, transformações e paradigmas


A propósito da instalação de uma superfície comercial no lugar de uma das mais emblemáticas fábricas têxteis do concelho, entretanto desactivada  e no seguimento de desabafos e conjecturas entretanto feitas, ocorreu-me abordar esta temática por se relacionar com o processo de desenvolvimento do concelho de Seia.

Durante décadas, no concelho de Seia prevalecia uma mono-indústria, a dos têxteis, de que Lúcia Moura aborda no seu livro O Concelho de Seia em Tempo de Mudança (1997), com enfoque nesta indústria dos finais do século XIX ao desabar da 1ª República. Um sector que prevaleceu, até ao séc. XX, desabando esmagada pela invasão de produtos chineses, na década de 90. O impacto poderia ter sido muito desastroso para o concelho, pela super-dependência desta indústria, mas graças à intervenção do poder politico, os encerramentos foram feitos paulatinamente, apesar de algum sofrimento. No período áureo, estimava-se que estivessem empregadas nesta indústria e vários subsectores, cerca de 3 mil pessoas, entre Fisel, Vodratex, Fercol, Vila Cova, Loriga e Santa Marinha. Foi um período próspero, impulsionado por um homem: Joaquim Fernandes (1915 – 1996), no próximo dia 9 de Dezembro completam-se 20 anos após a sua morte.

Essa é a questão, quando um concelho está demasiado dependente de uma fonte de riqueza.

Naturalmente que em paralelo se desenvolveu a actividade de aproveitamento hidro-eletrico, mas de menor impacto na absorção de mão de obra, sobretudo depois de feitas as barragens e centrais da Estrela.

Como a necessidade aguça o engenho, com a queda dos têxteis outras pequenas indústrias foram emergindo e hoje podemos referenciar o sector de calçado, através de investimento alemão, mas significativo. Podemos igualmente referenciar o sector dos lacticínios, quer através das queijarias artesanais, quer através das várias fábricas de queijo, que abastecem os mercados nacionais e internacionais. Um sector a necessitar de matéria prima, ou seja leite de ovelha bordaleira, para poder expandir ainda mais. Fenómeno idêntico ao da produção de medronho, que tem uma procura imensa no mercado dos anti-oxidantes. Acrescenta-se ainda nesta área de negócios com peso na economia local os relacionados com os vinhos, o pão, a fruta, o mel e os enchidos.


Neste paralelo, surgiram os chamados call-center’s, mas é o mercado turístico, com o incremento dos alojamentos, restauração, lojas de produtos, que ganha espaço e relevo no quadro económico do concelho. É evidente que tirando o agro-alimentar, que se impôs graças ao empenho de agentes empreendedores, a área do artesanato em geral não logrou render muito para a nossa região, porque, tirando os Chinelos da Avó, resultantes também de dinâmica empreendedora de uma jovem local, não temos um produto dito artesanal da Serra da estrela que se tenha imposto no mercado.

Em paralelo, surgiram alguns serviços que se reputam de muito importantes, no quadro do desenvolvimento local, particularmente na área do ensino, como sejam o incremento da Escola Superior de Turismo e Hotelaria, do ensino artístico da Escola Profissional da Serra da Estrela e do Conservatório de Música. A intervenção destes e de outros estabelecimentos e instituições, sobretudo da área social, que têm igualmente forte impacto na economia local, tem entroncado na estratégia do município, que tem feito da cultura e do ambiente, factores de desenvolvimento local. Uma estratégia que tem passado igualmente por incrementar o espírito empreendedor dos jovens, através de intervenções nas escolas e instituições, que tem dado frutos, mas ténues. E vários são os factores que estrangulam o apetite de investimento nesta região, a começar pelos decorrentes da Interioridade, que todos já conhecemos.

Apesar disso, não podemos baixar os braços, nesta quadra de capitalismo selvagem, que não tem forma de impedir que se instalem um número indefinido de supermercados numa pequena cidade de um dia para o outro. Já houve a fase em que todos abriam pastelarias, depois seguiu-se a fase do fim do monopólio das farmácias e agora não há regras nem entidades reguladoras que nos valham.

Apesar de conhecermos as transformações operadas e os novos paradigmas surgidos, não podemos desistir de continuar a incrementar o espírito empreendedor, para que os jovens percebam que não basta procurar emprego, mas sim procurar criar empresas para gerar investimento e criar riqueza, independentemente das angústias e outros constrangimentos associados.

Apesar de se saber que nunca foi tão difícil como agora abrir um negócio, criar uma indústria, com tantos “custos de contexto” como pomposamente lhe chamam, porque só quem tem de pagar as contas todas ao fim de cada mês, sabe o que custa ser empresário e empreendedor.

E aqui como no resto, resta acrescentar que já todas as frases foram inventadas para salvar o mundo, falta apenas uma coisa, salvar o mundo!


MJB

domingo, 12 de junho de 2016

Em Buenos Aires com o CineEco de Seia




Acabo de participar em mais uma jornada de trabalho na área do cinema de ambiente que me deixa marcas profundamente positivas, tanto no campo pessoal, como no aspecto profissional.

Regresso de Buenos Aires, essa grande capital da Argentina, onde participei como júri da competição internacional de longas-metragens do FINCA – Festival Internacional de Cinema Ambiental, assim como orador numa conferência sobre festivais de cinema ambiental e numa Mostra de filmes CineEco de Seia. Tudo numa semana intensa, de 1 a 8 de junho deste 2016, com o Verão a chegar a Portugal e o Inverno frio e desconfortável a penetrar na terra de Carlos Gardel. Uma experiência na sequência do convite que me foi dirigido pela Diretora do festival, Florência Santucho, na minha qualidade de diretor do CineEco e membro do Green Film Network, rede de 32 festivais de todo o mundo de que também somos fundadores.

Uma oportunidade para dar e receber, partilhando o que de melhor fazemos há 22 anos e aprendendo para melhorar, num processo de partilha e intercâmbio entre festivais da mesma rede. Uma forma de actuar e conhecer, onde cada festival que convida assegura as respectivas despesas através de apoios e patrocínios diversos, como fazemos em Seia, onde o município, entidade organizadora procura todos os anos aproximar a receita da despesa e assim manter o festival ano após ano. Uma aposta continuada pelo Presidente Carlos Filipe Camelo, reiterando os propósitos de ver na cultura e no ambiente, factores de desenvolvimento local.

Por isso, esta foi uma experiência marcante num festival impactante, na senda da afirmação internacional do festival de Seia, sobretudo nos principais países da América Latina. Depois de em anos recentes ter sido Júri em festivais e levado Mostras do CineEco ao Brasil – festival Filmambiente no Rio de Janeiro; festival Fica em Goiás e Festcineamazónia em Porto Velho e ao México – Cinemaplaneta em Cuernavaca, surgiu agora esta oportunidade na Argentina.

Desde logo a longa viagem de Lisboa a Buenos Aires, com escala em São Paulo, uma passagem só possível com o apoio da embaixada de Portugal na Argentina, que prontamente acedeu ao pedido da organização do FINCA, pela referência que tinham do festival português! E depois, chegar a uma cidade densa e maravilhosa, como é Buenos Aires, com muita marca europeia, muito para ver e apreciar, num momento de situação política, económica e social complexa, dura e difícil.

Em primeiro lugar o trabalho.

Reparti o Júri com Marcelo Burd, docente da Faculdade das Ciências e da Comunicação da UBA, realizador e guionista e Damián Verzeñassi, médico, professor titular e responsável académico de saúde ambiental e práticas finais da carreira de médico na Universidade Nacional de Rosário.

Assisti aos filmes em competição – 7 longas-metragens de grande qualidade, com abordagens diversas, desde o desenvolvimento sustentável, alterações climáticas, soberania alimentar, os impactos das extrações minerais, as contaminações, energias renováveis e a mãe terra, essa terra de onde tudo provém!

Atribuímos o primeiro prémio a “Sagrado Crescimento” / Sacrée Croissance, (França), de Marie-Monique Robin, um trabalho que propõe um conhecimento às alternativas e alterações possíveis frente ao paradigma do crescimento hegemónico e apresenta experiências colectivas que estão em marcha, para ajudar a construir sociedades mais saudáveis. Atribuímos ainda Menção Honrosa a La Tierra Roja, de Diego Martinez Vignatti (Argentina, Bélgica e Brasil), uma ficção que interpela o espectador frente a conflitos ambientais, sociais e políticos presentes numa região, sobretudo no que toca à problemática das contaminações nos alimentos e a La Buena Vida, de Jens Schanze, (Alemanha) que aborda problemáticas ligadas às extrações mineiras em grande escala e a consequente destruição dos povos, suas culturas e territórios.

Por aqui dá para ver o interesse dos temas tratados do ponto de vista ambiental, à semelhança de muitas outras abordagens também presentes noutras sessões paralelas e na Mostra de Filmes CineEco. Esta Mostra, que constituiu mais um factor de afirmação do festival de Seia, contou com a exibição das curtas: Um Verão Interminável, de Carmen López Carreño (Espanha); Cinema Dehors, de Filippo Rivetti e Tatiana Poliektova (Austrália, Rússia); Decadence of Nature de Olga Guse (Alemanha); Si J’avais une vache, de Norma Nebot (Espanha) e Pies secos do realizador chileno Joaquin Baús Auil, que esteve presente e com quem conversámos a propósito da estreia mundial deste filme em Seia, na edição do ano passado do CineEco.

Foram ainda exibidos nesta mostra as longas A Mulher e a Água, de Nocem Collado, (Espanha); Buscando desesperadamente uma zona branca, de Marc Khanne (França) e Todo o Tempo do Mundo, de Suzanne Crocker, (Canadá), que também esteve presente e com quem recordámos o sucesso que o filme teve em Seia e que se repetiu em Buenos Aires.

Foi um gosto participar nesta Mostra onde o público aderiu e registou o aroma de filmes que habitualmente passam no único festival de cinema de ambiente que se realiza em Portugal e um dos mais antigos no mundo.

Para um dos dias do festival estava também marcada uma conferência - Como organizar um festival de cinema com compromisso social, onde foi apresentado um “manual para organizadores de eventos cinematográficos de direitos humanos e meio ambiente” e que conta com um texto que me foi solicitado, a propósito do “CineEco, como caso de estudo”. O manual pode ser consultado aqui: http://imd.org.ar/manual/

Entretanto, um dos momentos altos do festival foi a conferência sobre Soberania Alimentar, que decorreu na Aula Magna da Faculdade de Medicina de Buenos Aires, com a presença de Vandana Shiva, filosofa e escritora indiana, ativista em favor do ecofeminismo, criadora da Fundação para a investigação científica, tecnológica e ecológica. Um auditório completamente cheio para ouvir uma voz autorizada no combate aos agrotóxicos. Porque a comida é a porta de entrada para quase todas as doenças, é preciso combater a hegemonia das grandes indústrias alimentares, como é o caso da Monsanto que acaba de fundir-se com a Bayer e que é causadora do surto exponencial de cancros e outras doenças mortais em todo o mundo.

Outra actividade importante foi a reunião aberta de Vandana Shiva e Marie-Monique Robin com a Comissão de Ambiente e desenvolvimento sustentável do Senado da Nação Argentina, para sensibilizar o poder político para estas questões de soberania alimentar.

A organização do FINCA, que cumpriu este ano a 3ª edição sob a direção de Florência Santucho, pertence ao Instituto Multimédia de Direitos Humanos de que é presidente Júlio Santucho. Esta organização promove igualmente um Festival de Cinema de Direitos Humanos, que vai na sua 15ª edição, tendo por isso uma equipa muito profissional, coesa e solidária, bem como uma extensa lista de voluntários que dão vida e dinâmica às iniciativas.

Durante a semana, fui sempre acarinhado e bem recebido por esta equipa fantástica do festival e outros convidados, com destaque para os realizadores Ricardo Gomes – Mar Urbano (Brasil), Giulio Squarci – Os Guardadores da água (Itália), Miryam López, diretora de comunicação do Festival da República Dominicana, entre muitos outros.

Para além das actividades em que estive envolvido, deu ainda para desfrutar da cidade, passeando junto ao Rio Del Pata, na Feira de San Telmo, no Caminito,... Nas várias caminhadas entre hotel e cinemas por ruas movimentadas, Florida, Tucuman, Córdoba, Rivadavia e Avenida Corrientes, esta última com as suas salas de teatro e por isso considerada a “rua que nunca dorme” e por vezes conhecida como a Broadway de Buenos Aires.

Ainda o imponente Obelisco, a praça San Martin, o bairro de Palermo Soho e a mítica livraria Ateneu, onde comprei o último livro de Eduardo Galeano, El Cazador de histórias, editado após a sua morte no ano passado e que ainda não chegou a Portugal.

A convite da organização, deu para assistir a uma noite de Tangos no mítico café de Los Angelitos, tango que ainda havia de dançar para a fotografia numa das ruas do centro, para turistas e noutro local a uma festa de folclore.

Porque no domingo não tinha programa, aproveitei para fazer o Bus Turístico, onde encontrei um grupo de portugueses que de Seia conheciam “os joelhinhos”! E de joelhos e restante corpo meio frio, pelo ar gélido da cidade, assim fui conhecer melhor os lugares de que falavam e que antecipadamente tinha anotado, sobretudo da imponência do seu centro e outras zonas residenciais, que configuram grandes contrastes entre zonas ricas de um lado e bairros pobres do outro.

Por fim um imprevisto, o taxista que me esperou no hotel às 6 da manhã, levou-me para o aeroporto errado. Como ainda faltavam duas horas e meia, entrei noutro táxi, quase já sem pesos e alguns euros, mergulhando num trânsito imenso, meio angustiado, na incerteza de chegar a tempo e a ver os minutos passar. Não ganhei para o susto e por um minuto não fiquei em terra!









 









Mário Branquinho
#cineeco #finca #seia #cinemambiental