Dependemos muito de muita coisa e cada coisa faz-nos cada vez
mais falta, como nenhuma falta nos faz tanta coisa que dantes nos fazia. Quem
tem mais de quarenta sabe do que falo, e não é de saudosismo nem de certas
militâncias ativas, mas tão só daquilo que antes era e já não é. Do que não
passávamos sem ter, em contraponto com aquilo que já não passamos sem ter, ver
ou fazer.
Tanto hábito perdido, tanta dependência trocada, para por
fim, sem darmos por isso, substituímos por outras e mais outras, no correr dos
dias ditos modernos. Escrevi no meu segundo livro, em 2002, a crónicas tantas,
que “eu ainda era do tempo das cabines telefónicas”. Uma dependência de cartões
de carregamento ou moedas, que em pouco tempo se transformou na dependência
directa dos telemóveis e afins. Por onde quer que se vá, todo o mundo se vai na
concentração do celularzinho. E não
há volta a dar, seja de metro, autocarro, carro, ou em casa, na cama, no campo,
na água, por todo o lado, à chuva e ao sol, conforme os casos de dependência.
Todos conectados, concentrados e abstractos do que está à volta. Em cada pessoa
um vício, e em cada vicio um grau maior de dependência, até nem darmos por isso
e ser banal.
Não tenho certeza, mas não duvido que a literatura, em
contraponto baixou e a literacia acompanhou a queda, proporcional à ligeireza
das causas virtuais. A dependência da poluição visual, das torrentes
informativas, de leads e títulos atinge picos nunca dantes vistos ou
imaginados, ao ponto de retirar vida à sã convivência. E como qualquer
dependência, corrói e faz mossa, nesta mola que sobe e desce a entreter o
pagode.
Sobra a esperança de voltarmos a conversar, concentrados nos
olhos dos outros, na essência das palavras, na raiz dos valores, sem as
distracções de virtuais tentações de permeio, que pelo meio enxameiam a mente e
distorcem tudo.
Já nem falo dos viciados no jogo, que usam fraldas para não
interromperem e engordam sem sair do lugar, a rebentar pelas costuras. Ou de
quando, cada um em cada compartimento da casa, manda e recebe mensagens no
telemóvel, em diversas aplicações, com várias conversas em simultâneo, e
simultaneamente vendo série ou filme no PC, com a TV ligada e a musica no ar e
tudo e mais alguma coisa ao mesmo tempo e o olho no micro-ondas ou na máquina
de lavar. Em casa, no carro, no trabalho ou em férias, onde quer que seja, sempre
ou quase sempre, na louca fúria de viver e sentir, sem dispensar a virtuosa
rotina virtual que anima os dias e aquece as almas. Dando permissão para tudo,
na violação grosseira de privacidade, que a droga obriga e a mente pede e não
dispensa.
É o vício, é o vício! Falta ver que novas dependências traz o
bicho, porque a ciência não para de descobrir e o homem quer sempre mais, na
onda do caminho, para onde todos vão em carreiro, em ambiente porreiro. É o que
está a dar! E depois destas, outras dependências virão, que o mundo não acaba
aqui.
Mário Branquinho, 30
maio 2018
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