(texto publicado na Revista Iberografias, nº 15, do Centro de Estudos Ibéricos, com sede na Guarda)
Mário Branquinho
1.
Em plena montanha, a 1050 metros
de altitude, chamada a “aldeia mais
alta”, o Sabugueiro, fica a meio caminho do “teto de Portugal”, ponto mais
alto da serra da Estrela, a quase dois mil metros. A dois passos da única pista
de esqui do país, para cima, e a 11 quilómetros da sede do concelho, Seia, para
baixo.
Com cerca de 450 habitantes (478
nos sensos 2011), o Sabugueiro é hoje, em 2019, uma aldeia que vive
essencialmente do turismo, com mais
de 30 lojas comerciais, predominando produtos artesanais e 10 restaurantes que
valorizam a gastronomia local.
O alojamento local tem vindo em
crescendo, quer pela recuperação de casas antigas no centro antigo, quer pelo
registo oficial efetuado pelos seus proprietários. Ao todo, contam-se no portal
do Turismo de Portugal 30 unidades registadas, com 1 hotel de 4 estrelas, 1
hostel e demais alojamentos locais, para um total de 465 dormidas legalizadas.
O Sabugueiro é uma das mais
extensas freguesias de todo o Parque
Natural da Serra da Estrela, sendo a aldeia conhecida pelos seus recursos
naturais, entre os quais as quedas de água, e pelas paisagens de uma vegetação
serrana única.
Precisamente pela sua
localização, o Sabugueiro constitui um dos melhores pontos de partida para
conhecer algumas das estruturas do aproveitamento hidroeléctrico da Serra da
Estrela, de que são exemplo as barragens do Lagoacho, do Vale do Rossim e da
Lagoa Comprida, o maior reservatório de
água em toda a serra.
Embora o turismo e o comércio
constituam as principais atividades económicas das suas gentes, os usos e costumes de antigamente marcam,
ainda, o ritmo diário da aldeia. Algumas das atividades são valorizadas através
de eventos organizados no quadro do projeto da rede de Aldeias de Montanha. Destas,
destacam-se a Queima do Entrudo (Sábado de Carnaval), a Caminhada à Serra
(Maio), a Festa da Transumância (Junho), a Noite das Caçoilas (Novembro), além
das festas religiosas do Santíssimo Sacramento (1º Domingo de Agosto) e a
Festa da Nª. Senhora da Graça (3º fim de semana de Setembro).
O padroeiro da terra é S. João
Batista, celebrando-se a sua festa na noite de 23 para 24 de junho. Para além
da Igreja Paroquial, existe ainda outro local de culto que é a Capela de Nª.
Senhora de Fátima.
Outrora terra de centeio e de
pastorícia, o Sabugueiro oferece ao visitante paisagens deslumbrantes e locais pitorescos de curiosidades
múltiplas.
A Praia Fluvial é o local privilegiado para o descanso, sobretudo no
Verão, onde apetece mergulhar nas águas cristalinas que correm por entre as
pedras gastas da ribeira. Junto à praia fluvial, na margem do Rio Alva,
situa-se o Polidesportivo da
Freguesia, disponível para o desporto e lazer, quer dos habitantes da aldeia,
quer dos turistas que visitam o Sabugueiro.
O "Forno Velho" é hoje um espaço
museológico onde estão retratados vários aspetos rurais da aldeia, com
destaque para a pastorícia e as sementeiras agrícolas. Este espaço situa-se na
parte mais antiga da freguesia, junto ao forno comunitário.
O forno comunitário foi ao longo dos anos utilizado por quase todas
as famílias da freguesia para cozer o "Pão do Sabugueiro", um
elemento central da alimentação que dava sustento para uma ou duas semanas.
Ainda hoje o visitante pode encontrar algumas mulheres da aldeia com os seus
tabuleiros à cabeça, que aqui vêm cozer o saboroso pão.
Os moinhos de água e o forno comunitário são exemplos de memórias de
um passado que não quer ser esquecido.
A Cascata da Fervença e o Covão do Urso, ampla depressão de origem
glaciária, constituem exemplos de valores paisagísticos que merecem uma visita.
Do ponto de vista social e cultural, destaca-se o papel
da Associação de Beneficência do Sabugueiro, uma IPSS com várias valências, que
emprega cerca de 30 pessoas, o que é relevante para a dimensão económico-social
da freguesia.
A Associação possui uma estrutura
residencial para idosos, presta serviço de apoio domiciliário, apoio médico e
de farmácia, escola de música. Desenvolve ainda o projeto “Alavanca” para acompanhamento
próximo e regular da população alcoólica e tóxicodependente nos concelhos de
Seia e Gouveia. Participa no projecto “Sabugueiro,
Aldeia Inteligente”, em parceria com a Vodafone, Município de Seia e Junta
de Freguesia. O principal objetivo deste projeto é a disponibilização de
soluções tecnológicas na aldeia do Sabugueiro que contribuam para a melhoria de
qualidade de vida dos cidadãos e que funcionem de alavanca para a melhoria do
desempenho ambiental deste espaço rural.
Mais recentemente, esta
Associação transformou o antigo Centro de Dia no Hostel Criativo do Sabugueiro, uma unidade hoteleira com capacidade
para 34 pessoas, onde também se realizam residências
artísticas.
2.
Até meados da década de 90, a agricultura e a pastorícia ainda eram
atividades preponderantes, registando-se o cultivo das “courelas” mais junto ao
povoado, sobretudo para legumes, batata e milho e, nos campos mais afastados do
povoado e mais extensos, pelas encostas da serra, para as sementeiras de
centeio. O trabalho era manual, muito duro e demorado, contando com o recurso a
burros, quer para lavrar as terras, quer para transportar os produtos
arrecadados ao campo. Segundo Alberto Martinho, sociólogo, natural do
Sabugueiro, com vasta obra publicada, “em
1971 havia na aldeia 102 burros, 2 cavalos e 8 éguas, dispersos por 64% das
casas. Em junho de 1998 havia na aldeia 19 burros, 2 éguas e 4 cavalos (dois
são apenas usados para passeios turísticos”.
Estes animais de carga,
serpenteavam pelos caminhos escarpados e difíceis e eram por isso de grande
valor, transportando em segurança pesados fardos.
A pastorícia era também uma
atividade preponderante desde tempos imemoriais. Os pastores, no tempo da neve,
viam-se forçados a “invernar” para as chamadas
“terras chãs”, levando consigo a família, incluindo filhos em idade escolar.
Por lá permaneciam de novembro a fevereiro do ano seguinte, voltando com a
Primavera. No pico do Verão, juntavam-se as “chotas” e faziam a transumância, ou seja, chegavam a
juntar-se mais de mil ovelhas de vários pastores, para subirem à serra e aí,
estes, “revezavam-se” na guarda do gado, permitindo algumas folgas.
Também até meados da década de
90, registavam-se na aldeia muitos trabalhadores das fábricas têxteis de Seia,
sobretudo da Fisel e da Vodratex que, no total, com outras fábricas, chegaram a
empregar cerca de 4 mil trabalhadores no concelho de Seia.
Segundo Alberto Martinho, “chegaram a contar-se na aldeia cerca de 30
motorizadas”, que era o principal veículo de transporte do Sabugueiro para
as fábricas de Seia.
Ao longo das décadas de 70, 80 e
90, no rendimento das famílias registava-se um cenário acentuado de
pluriatividade, ou seja, para além do rendimento das fábricas têxteis (e também
da EDP e da Fábrica das Águas Serra da Estrela), os trabalhadores juntavam o
rendimento da agricultura familiar. Por exemplo, todas as famílias semeavam
centeio e coziam o pão no forno comunitário, onde o “forneiro” se encarregava
de organizar as fornadas. Assim como havia o controle da levada de água, para
as regas dos campos mais próximos da aldeia.
De fora, vinham as malhadeiras
para a malha do centeio, nas eiras de pedra, onde os “rolheiros” de molhos de
centeio empilhados, davam lugar aos palheiros. E na Festa da Senhora da Graça,
oferecia-se centeio à Virgem, como forma de agradecimento pelas colheitas.
Centeio que era depois leiloado, revertendo a receita para as festas da
“Santa”. E todas as famílias possuíam arcaz de centeio na loja, para o pão no
ano inteiro.
A partir da década de 70, “os das
fábricas” transformaram-se também em novos resineiros e outros recoletavam
bolbos “de flores” (Narcisos) que eram vendidos para o Porto e, por sua vez,
exportados para a Holanda. Os mesmos também apanhavam bagas de zimbro que
vendiam para serem misturadas na aguardente, vendida aos turistas (Martinho,
2008).
Com o fim do têxtil, uma
mono-indústria que caracterizou durante décadas o concelho de Seia, e com a
invasão de supermercados de média dimensão e consequente abandono agrícola,
foram surgindo ao longo da Estrada Nacional 339 várias lojas comerciais
vocacionadas para o turismo que rumava à Serra. Era outra transformação que se
ia operando.
A primeira loja comercial destinada
aos turistas tinha aberto as suas portas em 1959 e, em 1972, já eram 3
estabelecimentos (Martinho, 2008).
Foto de Manuel Ferreira
3.
Nos fins do século XIX, a
penetração da Serra da Estrela começou a verificar-se através de excursões
cientificamente organizadas. O Sabugueiro tornou-se estação obrigatória ou
ponto de apoio e de passagem para os exploradores. De aldeia ignorada,
tornou-se muito conhecida. Uma transformação decisiva e surpreendente, que foi
em crescendo ao longo dos anos.
Do ponto de vista histórico e
político-administrativo, podemos dizer que o Sabugueiro era uma freguesia
independente, pelo menos em 1757, e assim o confirma o Código Administrativo de
1836. Porém, em 1936, foi anexada à de Seia, pelo que os seus habitantes
fizeram esforços para obterem a devida autonomia e assim o conseguiram em 1946.
O Cadastro da população do Reino,
mandado organizar por D. João III, em 1527, dava a Seia 1.168 moradores e ao
Sabugueiro 19 (Bigotte, 1992). O Capitão Dr. António Dias, na sua
"Monografia do Sabugueiro", insere uma inquirição em que D. Pascoal
respondeu que nesta povoação eram possuidores de terras Mendo Carneiro, Pedro
Viegas e Domingos Gonçalves, que não pagavam foro ao "Senhor Rei".
Em antigos documentos aparece
chamada de "Vila de Sabugária". É por isso uma povoação muito antiga,
de que dão notícias as Inquirições de D. Afonso II, em 1296, onde se chama
"Sambugueiro", Sabugário e Sabugueiro (Bigotte, 1992).
Reza a história que esta
freguesia surgiu a partir de um aglomerado de cabanas de pastores que
aproveitavam os pastos para as suas ovelhas e cabras.
Foto de Manuel Ferreira
4.
Como se lê e constata, o
Sabugueiro tem sido ao longo da sua história, uma aldeia em transformação, que
vai às raízes da sua identidade, para se reinventar sucessivamente. Como que
arrancando pedras duras e toscas da montanha, o homem de cada época foi
moldando a sua faina na procura de sustento. Soube extrair da montanha, riqueza
e sabedoria, na adaptação aos tempos, nesse imenso potencial de natureza brava
e fria.
Agora, perscrutando o futuro,
sobressai o anseio de resposta aos novos tempo, exigentes de requintes e de
formas modelares, capazes de cruzar a tradição com a modernidade. No anseio e
desejo de ver engenho e arte suficiente para ajudar a acordar um gigante meio
adormecido, que é esta uma montanha de riqueza chamada serra da Estrela, com o
Sabugueiro a meio.
Bibliografia:
Martinho, Alberto (2008), O Caixão das Almas
Bigotte, Quelhas (1992), Monografia da cidade e concelho de
Seia
Martinho, Alberto (1978), O Pastoreio e o Queijo da Serra
Martinho, Alberto (1972), Sabugueiro, uma Aldeia da Serra da
Estrela
Dias, Capitão Dr. António (1945), Monografia do Sabugueiro
Webgrafia:
Entidades:
Turismo de Portugal, Registo Nacional de Turismo
Freguesia do Sabugueiro:
Associação de Beneficência do Sabugueiro